Emílio Garrastazu Médici. É esse o nome do general que será nomeado pelo Alto-Comando das Forças Armadas, em 30 de outubro de 1969, para assumir a Presidência da República Federativa do Brasil. É necessário o resgate memorial de que o Brasil de 1969 era um país em regime ditatorial desde 1964, tendo sido governado por dois generais que estavam fortemente alinhados com o projeto político, ideológico, econômico e social de controle e repressão da população brasileira. Médici não será apenas a continuação de um período de violações constantes à integridade humana, nos mais diversos âmbitos possíveis, mas será o símbolo concretizado, em carne e osso, do período mais grotesco da Ditadura Militar, onde a censura, a perseguição política, a tortura e os assassinatos se tornarão constantes, quase indiscriminados.
A Ditadura Militar brasileira não seria apenas uma tentativa de acabar com qualquer levante popular que se propusesse a ser radical, e que, por consequência, viesse a romper com o modo de produção capitalista e com as heranças de um país que se formou a partir de um regime escravocrata. O regime ditatorial objetivava a elaboração de um Brasil aos moldes do Conservadorismo, da repressão e da violência institucionais que vieram a exemplificar o que aconteceria com qualquer cidadão que se opusesse a ele.
Mesmo que, por muitas vezes, abordada de forma desonesta e irresponsável, a Ditadura Militar ainda ressoa no imaginário das pessoas, assim como em suas posturas e determinações políticas e sociais. Por um lado a Ditadura é tratada com o devido repúdio por aqueles que se prestam a dar nome às vítimas do período, aos agentes do Estado que executaram as mais diversas violações e as reparações e elucidações ainda necessárias nos dias atuais. Por outro, há uma parcela da população, desde o cidadão mais comum até indivíduos em posições de prestígio nos mais diversos âmbitos, que se vangloriam do Brasil Ditatorial de 1964, tratando as atrocidades ocorridas na época como meios necessários para a concretização de um país baseado na ordem intencionada.
O governo Médici existe justamente nessa dualidade de observações, onde o acesso aos fatos que compõem a governança do General se tornam meras opiniões, buscando resumir anos tão difíceis em alguns aspectos de avanço vivenciados pelos brasileiros.
Sendo justamente um dos principais momentos que está sempre atrelado ao que houve de "positivo" no período ditatorial, o Governo Médici é marcado pelo "Milagre Econômico". Nele o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro chegou à média de crescimento de 10,2% entre os anos de 1967 e 1973 e,sob o governo de Médici em específico, marcou a média de 12,5% de crescimento do PIB, entre 1971 e 1973. Foram vários os fatores que fizeram parecer que o período ditatorial daria os rumos para o Brasil se tornar um país desenvolvido e, consequentemente, umas das potências econômicas do ocidente. A adoção de uma política de exportação agrícola, entendida enquanto um meio com maior possibilidade de obtenção de recursos e exportação, coloca esses setores industriais e empresariais em ascensão, junto a uma meta de crescimento de 10% ao ano.
A escalada de empreendimentos advindos da postura econômica do governo da época iriam fornecer ao Brasil uma ideia de estabilidade econômica que, quando analisada junto aos fatos, sequer se manteve por uma década. Mesmo que as práticas de violação humana fossem do conhecimento de parte da população, o regime ditatorial precisava de apoio dos cidadãos para que se mantivesse no poder, indo de apelos concretos, como a construção bilionária da Ponte Rio-Niterói, inaugurada em 4 de março de 1974, até eventos que eram assimilados de forma mais subjetiva pela população, como a vitória do Brasil na copa do mundo de 1970, em que a seleção brasileira se tornou o primeiro time a garantir o terceiro título na edição esportiva. Todos esses acontecimentos foram usados como propaganda pelo regime militar, não só para que fosse possível apresentar progressos e conquistas durante a época, mas também para induzir na consciência das pessoas que tais triunfos eram resultado direto dos generais no poder. Tais práticas apoiavam o objetivo governamental: a contenção de qualquer tentativa de denúncia e oposição às barbáries ocorridas.
Independente das conquistas materiais e imateriais ocorridas no Governo Médici, que ainda compõem o imaginário e a realidade concreta dos brasileiros, é necessário que, ao falar do terceiro general à frente do Brasil no período ditatorial, seja lembrado as mais diversas violências que se fizeram presentes, dando nome ao governo de Médici como "Anos de Chumbo". A Ditadura Militar de 1964 aderiu mecanismos próprios de manutenção do regime, instaurando os chamados Atos Institucionais (AI), que visavam garantir aos militares no poder o máximo de ações injustificadas e dispositivos legais, colocando todas as decisões políticas do país nas mãos daqueles que adotaram os mais diversos artifícios para que o período ditatorial apresentasse o mínimo de risco para os militares. Apesar de entrar em vigor ainda no Governo Costa e Silva, em 1968, é durante o governo de Médici que o Ato Institucional de número 5 (AI-5) terá sua maior interferência na vida da população brasileira. O Ato Institucional 5° previa o fechamento do Congresso Nacional, intervenção direta nos estados e municípios, assim como a suspensão de direitos políticos - como a impossibilidade de obter um habeas corpus, quando algum opositor do regime era preso e impedido de responder a uma acusação em liberdade-.
O AI-5 pode ser entendido não apenas como uma expressão mais repressiva da intenção militar, mas também como uma medida de manutenção da Ditadura Militar à longo prazo. Com tamanho artifício legal em ocorrência no Brasil, a violência permitida pelo AI-5 se tornou um meio quase que obrigatório para coagir as pessoas vítimas dos agentes do Estado. São inúmeros os casos de perseguições políticas, censura, torturas e assassinatos. Ainda em 2022, parte importante deles seguem sem os devidos esclarecimentos aos familiares das vítimas, assim como à população brasileira como um todo. Segundo um relatório final de 2014, da Comissão Nacional da Verdade, criada com a intenção de esclarecer as violações à integridade humana ocorridas durante o período ditatorial, 434 foram assassinadas ou desaparecidas. O Estado brasileiro foi o responsável por tornar a existência de centenas de cidadãos em realidades baseadas no medo, na precariedade e no luto proporcionados pelos anos de ditadura. Uma das vítimas do regime militar é Honestino Guimarães¹, à época estudante de Geologia da Universidade de Brasília, militante do Movimento Estudantil e opositor ao regime. Após diversas prisões, foi dado como desaparecido em 1973. Honestino é um símbolo infeliz, de um período mais infeliz ainda, onde pessoas eram consideradas, pelo poder, dignas da violência estatal. A conjuntura da época era feita a partir de um consciente e de ações concretizadas que operavam em prol da repressão e aniquilação.
Apesar das inúmeras violações ocorridas durante o Governo Médici, e que ainda se mantiveram posteriormente, mesmo que atenuadas até o período da redemocratização, é um dever de todos que venham a ter acesso a este período trágico da história brasileira a atenção às injustiças e atrocidades que deixam resquícios até os dias atuais. Que Honestino e tantos outros sejam sempre lembrados como aqueles que tentaram levar o Brasil ao futuro democrático. Que as novas gerações não venham a ser vítimas de tempos tão sombrios, como os referenciados aqui, vivenciados por tantos durante 1964 e 1985, e que os legados tão tristes registrados sejam o suficiente para que a história jamais se repita.
Referências:
BETIM, Felipe. O que significou o AI-5 para o Brasil, segundo o historiador Carlos Fico. El Pais, São Paulo, 26 de novembro de 2019. Brasil. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/26/politica/1574785901_729738.html. Acesso: 11/08/2022.
BARREIROS, Isabela. Quantas Pessoas Foram Mortas e Desapareceram Durante a Ditadura Militar Brasileira. Aventuras na História, 10 de novembro de 2019. Matérias/Ditadura Militar. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/quantas-pessoas-foram-mortas-e-desapareceram-durante-ditadura-militar-brasileira.phtml. Acesso: 11/08/2022.
GONÇALVES, Evelyn. Honestino Guimarães: legado de luta e resistência. Memória e Ditadura Militar nas Escolas Públicas do Distrito Federal, Brasília, 13 de agosto de 2022. Coluna. Disponível em: https://memoriaditadura.wixsite.com/memoriaehistoria/post/honestino-guimar%C3%A3es-legado-de-luta-e-resist%C3%AAncia. Acesso: 15/08/2022.
F. G. V. Fundação Getúlio Vargas. C. P. D. O. C. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Milagre Econômico Brasileiro. Temático. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/milagre-economico-brasileiro. Acesso: 11/08/2022.
SANTOS, M. C. F. N. Brasil, ame-o ou deixe-o: O governo Médici em Valença. In: CONTRAPONTO: Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil da UFPI. Teresina, v. 2, n. 1, fev. 2015. Disponível em: https://revistas.ufpi.br/index.php/contraponto/article/download/3759/2170. Acesso em: 11 ago. 2022.
SILVA, Daniel Neves. Ato Institucional n° 5. Mundo Educação. Home > História do Brasil > Brasil República > Governos Militares > Ato Institucional n° 5. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/o-ato-institucional-n-5-ai-5.htm. Acesso: 11/08/2022.
Nota¹: Caso tenha curiosidade em saber mais sobre Honestino, clique aqui
Escrito por Cinna Luzia Almeida, estudante de Serviço Social.
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