Cildo Meireles é considerado um dos artistas contemporâneos mais importantes, tendo diversos trabalhos em variadas técnicas como: o desenho, a pintura, a escultura e a instalação.
Meireles nasceu no dia 9 de fevereiro de 1948 no Rio de Janeiro, onde atualmente reside, e depois de morar um ano em Belém do Pará, mudou-se para Brasília em 1958, onde estudou com o artista peruano Félix Alexandre Barrenechea, em 1963, no curso de arte da Fundação Cultural do Distrito Federal. Em resposta à pressão política da época e ao cancelamento de suas exposições, deixou o país e se mudou para Nova York, onde viveu de 1971 a 1973.
Seu trabalho passou por diversas transformações durante seus longos anos de carreira, indo desde seus estudos sobre desenho que, sob o impacto de uma exposição do acervo da Universidade de Dakar, começaram a apresentar inspirações em máscaras e esculturas africanas. Sua estada no Distrito Federal lhe deu a oportunidade de vivenciar uma experiência arquitetônica e urbanística marcante no Brasil, com o modernismo de Oscar Niemeyer. Contudo, será seu trabalho Inserções em Circuitos Ideológicos, o foco deste texto.
“No grupo de trabalhos feitos em 1970 , Inserções em Circuitos Ideológicos, Meireles clandestinamente interveio na moeda de circulação nacional e no comércio de Coca-Cola, colocando mensagens subversivas, como Yankee Go Home, em decalques colados nas garrafas, que passaram por um incontável número de mãos. Em resposta à pressão política, incluindo o cancelamento de suas exposições, Meireles, como Hélio Oiticica, deixou o país e se mudou para Nova York [...]” (OBRIST, 2006, 65-66)
Entre os anos de 1968 e 1970, Cildo Meireles notava que era um momento de seus trabalhos se afastarem da metáfora, a representação de uma situação, e começarem a entrar em situações reais, interagindo assim com um grande público.
“As Inserções em Circuitos Ideológicos nasceram da necessidade de criar um sistema de circulação, de intercâmbio de informações que não dependesse de nenhum tipo de controle centralizado como é o caso de televisão, do rádio, da imprensa, mídias que atingem de fato um público imenso, mas onde sempre se exerce determinado controle e afunilamento da inserção. Isto é, a inserção é exercida por uma elite que tem acesso aos níveis em que ela se desenvolve: sofisticação ideológica, altas somas de dinheiro e poder.” (HERKENHOFF, 1999, 110).
Fonte: Cildo Meireles. Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola. 1970
Fonte: Cildo Meireles. Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Cédula. 1970 - 2019
Instruções e “modos de usar” têm feito parte do trabalho de Cildo Meireles desde os anos 60. Para o artista essas instruções têm um grande papel, pois construindo suas obras a partir da linguagem, ele tenta se distanciar da relação da obra de arte como algo que apenas os artistas podem produzir. “Prefiro Imaginar obras que podem ser feitas por qualquer um e em qualquer lugar” (OBRIST, 2006, 66).
Em Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola, a intenção de Meireles era chegar a uma fórmula que pudesse ter efeito político, e ele conseguiu, colocando garrafas, adesivadas com mensagens políticas e receitas de coquetel molotov, de volta à circulação; embora ele não tivesse o mesmo efeito que o Projeto Cédula no confronto entre o indivíduo e o Estado na época da ditadura militar, por conta de sua escala individual.
“A parte de Inserções… chamada Projeto Coca-Cola era quase uma metáfora do que considero o verdadeiro trabalho, o Projeto Cédula, que foi a segunda etapa dessa série. Nele, cédulas eram impressas com mensagens políticas e reinseridas em circulação. A ideia de circuito ainda estava lá e teve um efeito maior que o Projeto Coca-Cola. No confronto entre o indivíduo e o Estado naquelas circunstâncias, o Estado era claramente visto como o problema. O Projeto Coca-Cola tratava mais da questão do indivíduo em relação ao capitalismo. Como a pop art, utilizava de forma irônica a iconografia de massa.” (HERKENHOFF, 1999, 12-13).
No Projeto Cédula, o artista toca no âmago do regime militar, carimbando a frase “Quem matou Herzog?” em notas de dinheiro da época. A morte do jornalista Wladimir Herzog foi anunciada oficialmente como suicídio, embora se soubesse amplamente que ele foi morto devido à tortura que sofreu nas mãos dos militares. “A pergunta, tão incômoda ao regime quanto ameaçadora para uma população amedrontada, circulava livremente em cédulas porque ninguém guardaria ou destruiria dinheiro para esconder a dúvida.” (HERKENHOFF, 1999, 50).
Em seus trabalhos, Meireles mostra como, ao se utilizar do próprio sistema de circulação monetária e comercial da época, um indivíduo pôde contestar o regime enquanto fugia de várias das suas censuras, se tornando, assim, uma forma de combate não armado e de livre acesso a qualquer um que quisesse utilizá-lo contra a ditadura militar. Dessa maneira, ao entender a definição de guerrilha, como um conflito que tem por estratégia submeter o adversário mais poderoso a adversidades, pode-se pensar nos trabalhos de Cildo Meireles, como as obras de Inserções em Circuitos Ideológicos, como táticas de guerrilha.
Referências Bibliográficas:
HERKENHOFF, Paulo. Cildo Meireles, São Paulo, SP : Cosac & Naify Edições Ltda, 1999. 160 p. : il. ISBN 85-86374-32-6
MORAIS, Frederico. Cildo Meireles : algum desenho (1963-2008), Curitiba : Museu Oscar Niemeyer, 2008. 125 p. : il. ; 29 cm. Catálogo em exibição no Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, de 25 de março a 8 de junho de 2008. Texto em português e inglês
OBRIST, Hans U. Arte agora! : em 5 entrevistas, São Paulo, SP : Alameda, 2006. Tradução: Marcelo Rezende. 117 p. ; 22 cm. ISBN 8598325384
MEIRELES, Cildo. Cildo Meireles. Página inicial.Disponivel em: <https://cildomeireles.com>. Acesso em: 25 de ago. de 2022.
CILDO Meireles. Tate Images, 2022. Disponível em: <https://www.tate-images.com/gallery.asp?gallery=CILDO%20MEIRELES> Acesso em: 22 de ago. de 2022.
Escrito por Amelly Tschiedel, estudante de Artes Visuais.
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