Durante o período de redemocratização no país, não se excluiu a violência militar, ainda perpetuada especialmente para as classes minoritárias brasileiras, e, em meio a histeria coletiva dos anos 80 com a Aids, conhecida popularmente e equivocadamente por contaminar a população gay, gerou-se um grande desconhecimento sobre o vírus do HIV, que incapacita o sistema imunológico e torna o portador vulnerável a doenças já existentes. Consequentemente, o vírus causou milhares de mortes independente da sexualidade ou identidade de gênero dos portadores. Tal época que não se fazia distinção entre gays ou travesti, assunto esse pouco compreendido na sociedade, embora as diferenças entre os gêneros não serem claras e de que os dois grupos serem alvos de violência, eram as travestis que tinham como rotina as esquinas e ruas da vida noturna recorrentes marginalizadas e obrigadas a viver na prostituição para sobreviverem, desse modo, elas se tornam mais vulneráveis ao vírus do HIV, a uma IST (Infecção Sexualmente Transmissível) causadora da Aids.
“HIV ou aids? Qual é a diferença?
HIV e aids não são sinônimos.
"Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é a doença causada pelo HIV, que ataca células específicas do sistema imunológico, responsáveis por defender o organismo de doenças. Em um estágio avançado da infecção pelo HIV, a pessoa pode apresentar diversos sinais e sintomas, além de infecções oportunistas (pneumonias atípicas, infecções fúngicas e parasitárias) e alguns tipos de câncer. Sem o tratamento antirretroviral, o HIV usa essas células do sistema imunológico para replicar outros vírus e as destroem, tornando o organismo incapaz de lutar contra outras infecções e doenças.
A transmissão do HIV se dá por meio de relações sexuais desprotegidas, pelo compartilhamento de seringas, materiais perfurocortantes contaminados e não esterilizados e por meio da transmissão vertical durante a gravidez, parto e/ou amamentação, quando não tomadas as devidas medidas de prevenção.
Aproximadamente 866 mil pessoas vivem com HIV no Brasil e, a cada ano, são registrados cerca de 40 mil novos casos de HIV, principalmente entre os jovens. Muitas pessoas ainda desconhecem o seu status sorológico; por isso, é necessário que todos os indivíduos com vida sexual ativa façam a testagem regular para o HIV. Além disso, é importante conhecer as formas de transmissão e prevenção ao HIV.” (Site do Governo Federal).
A vulnerabilidade nas Travestis e Transexuais ocorria justamente por haver relações sexuais que nem sempre contavam com o uso de preservativo, tanto pela maior dificuldade de acesso ao preservativo e a baixa conscientização sobre sua importância na época. Dentro da cultura da prostituição, o “cliente” muitas vezes não aceitaria o uso, uma realidade vivida até nos dias de hoje.
Perante esse contexto, a Polícia Civil do Estado de São Paulo em 1987, resolveu combater a Aids. Com esse objetivo, foi lançada a “Operação Tarântula”, um comando especial de policiamento que tinha como objetivo realizar apreensões em flagrantes de travestis nos principais pontos de “trottoir” alimentado de “fregueses” nas vias públicas da cidade. De acordo com o Jornal “Folha de São Paulo“, as forças de segurança utilizaram a epidemia como justificativa para oficializar a violência contra as travestis. A operação, que só em seu primeiro dia apreendeu 56 pessoas, demonstrou que mesmo com o processo de redemocratização o Estado não perdia seu caráter opressivo.
Em entrevista ao Jornal “Folha de São Paulo” o Delegado-chefe da época contou que as acusações da polícia eram de “ultraje ao pudor e contágio venéreo”, explicitando em seu discurso que, para o Estado, as travestis não eram reconhecidas como pessoas de direito, uma vez que, estando elas em situação de exploração sexual e expostas a doenças, o órgão mobilizado para lidar com a situação foi a polícia, um aparelho de violência.
Trans e travestis foram perseguidas e torturadas durante a Ditadura Militar no Brasil (Foto: Juca Martins / Reprodução)
A operação foi finalizada em pouco menos de duas semanas, graças à mobilização de grupos em defesa dos direitos LGBT que denunciaram à Secretaria Estadual de Segurança Pública as prisões que ocorriam de forma arbitrária. Até o seu fim, a operação violentou cerca de 300 travestis.
Nos dias atuais, a comunidade LGBTQIA+ conquistou direitos, mas ainda está longe de ter todos seus direitos plenamente concedidos. Até 2020, os gays, travestis e transexuais ainda eram vistos como um risco quando o assunto era doação de sangue. Mesmo depois de tanto tempo, o surto de AIDS nos anos 80, que afetou boa parte da população gay, acabou se tornando um estigma, principalmente para o Ministério da Saúde. No entanto, só em 2020 o STF declarou esse tipo de atitude como inconstitucional. Ainda é importante evidenciar e discutir o HIV de forma aberta para expandir a informação e evitar o preconceito. Em 2019 aconteceu o que muitos LGBTQI+ esperavam: a criminalização da homofobia. Mesmo que a lei não garanta a punição de quem é homofóbico, ela já contribui para a transformação de um discurso preconceituoso que, infelizmente, voltou a ficar forte no Brasil nos últimos anos com a popularidade de Bolsonaro e da extrema-direita. Essa luta é uma luta coletiva, os direitos conquistados ao longo dos últimos anos são essenciais, mas frágeis, a comunidade LGBTQIA+ deve ocupar espaços, preservar e buscar seus direitos. Deve evidenciar que apesar das diferenças a comunidade é unida e de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Bibliografia:
FOLHA DE SÃO PAULO, Policia Civil “combate” a Aids perdendo Travestis. A 20, 2º Caderno, Domingo 1º de março de 1987, Reportagem local.
GONÇALVES, Maria Eugênia, OPERAÇÃO TARANTULA E OS “RONDOES” CONTRA TRANS E TRAVESTIS NA DITADURA MILITAR. Revista Hibrida, 11 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://revistahibrida.com.br/2021/03/31/operacao-tarantula-e-os-rondoes-contra-trans-e-travestis-na-ditadura-militar/
GOVERNO FEDERAL, disponível em: http://www.aids.gov.br/indetectavel/hiv_aids.html.
INANNA, Jessica, A caça às travestis na ditadura militar. Revista Esquerda Online, 31 março de 2019. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2019/03/31/a-caca-as-travestis-na-ditadura-militar/
SILVA, Edlene Oliveira e BRITO Alexandre Magno Maciel Costa. Travestis e transexuais no jornal ‘Lampião da Esquina’ durante a ditadura militar (1978-1981). Edição n. 38 (2017).
Escrito por Vinicius Chaves, estudante de História
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