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Foto do escritorMemória e Ditadura nas escolas do DF

Sobre a invasão da UnB de 1968 e a educação pública que precisamos.

O mês de agosto carrega, na história da Universidade de Brasília, memórias de um episódio triste, porém importantíssimo para a construção da luta estudantil e para a democracia brasileira. Na segunda-feira, 29 de Agosto, fez 54 anos da invasão da UnB por parte das forças policiais e militares que mobilizou os estudantes de todo o país durante a Ditadura. A data é um símbolo da vergonha promovida pelo Estado brasileiro contra seu próprio povo, mas é também símbolo da resistência e luta contra a repressão. O espaço da universidade pública foi violado brutalmente e, por consequência, a vida e liberdade dos discentes e professores.


Os anos iniciais do regime militar, após o golpe de 1964, foram atravessados por constantes impulsos antidemocráticos que aos poucos caminhavam para o recrudescimento do autoritarismo no Brasil. Os estudantes brasileiros foram atacados em 1966 no Rio de Janeiro, em evento conhecido como o Massacre da Praia Vermelha. Em 1967, Arthur da Costa e Silva tornou- se chefe do executivo. Sob a tutela do então presidente, o Brasil começa a se aproximar do horizonte sombrio de repressão e violência que era contemplado no projeto político dos militares. Em 1968, no dia 28 de março, o estudante secundarista Edson Luis foi assassinado no Calabouço, restaurante estudantil no centro do Rio de Janeiro, pelas forças de segurança da Ditadura. Assim se configurava o golpe dentro do golpe, como é denominado o processo de endurecimento do regime militar. Com a invasão da UnB, em agosto, e a prisão de centenas de estudantes em Ibiúna, durante o 30º congresso da UNE ocorrido em outubro, a 70 km de São Paulo, a situação tornou- se ainda mais crítica. O ano de 1968 é, então, marcado pelo Ato Institucional nº 5, decretado em 13 de dezembro. O documento entregou poderes absolutos para o executivo, de maneira que a repressão contra quaisquer tipos de resistência se tornou uma prática legítima por parte do governo brasileiro. Em razão dessa crescente caminhada em favor da força do Estado, o golpe de 1964 ganhava uma nova face. Uma face de violência e abuso de poder contra os sujeitos que lutavam pelo estabelecimento de um ambiente democrático e libertador para o povo brasileiro. À luz dessa breve contextualização a respeito dos primeiros anos da Ditadura Militar, me parece fundamental compreender a participação do movimento estudantil na luta pela democracia e, em especial, a participação dos estudantes da nossa universidade na história.


As universidades, enquanto espaços de difusão de saberes e desenvolvimento da plena educação, eram ambientes de liberdade intelectual. Por essa razão, estavam alinhadas com as concepções de mobilização popular socialista presentes ao redor do mundo. O século XX viu o embate político contra o conservadorismo pulsar como jamais fora visto. As atividades políticas em favor da superação da estrutura de opressão imperialista eram uma constante poderosa em todo o globo e tinham um caráter ainda mais necessário, por exemplo, na América Latina. Os eventos ocorridos em Cuba, em 1959, ou no Vietnã nas décadas de 60 e 70 são exemplos das referências presentes no pensamento mobilizador da esquerda brasileira. O debate sobre a superação dos problemas latentes no Brasil estava, portanto, em voga nas universidades, ao passo que o saber verdadeiramente libertador tinha subsídios para germinar exatamente no plano da educação. Não era diferente na UnB. Nossa universidade é, desde sua idealização, um espaço de debate, de pluralização de ideias e de convívio democrático. Ao considerar a história da UnB, seu trajeto de luta política e sua proposta de emancipação intelectual e cidadã, é difícil observar a repressão contra estudantes durante a Ditadura e após a ela sem nojo. Por essa razão, é necessário apresentar o evento que desgraçou o nosso passado e faz ecoar gritos de dor na nossa memória.


Na quinta-feira, 29 de agosto de 1968, mais ou menos às 10 horas da manhã, o campus Darcy Ribeiro foi invadido em uma operação conjunta organizada pela Polícia Militar, pelo DOPS, pela Polícia Federal, Polícia do Exército e pelo SNI. A justificativa era a prisão do notório estudante Honestino Guimarães, presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília, a FEUB. Afinal, Honestino era uma liderança política enquadrada na ideia de subversão temida pelo Estado brasileiro. No ocorrido, centenas de estudantes foram cercados pelas forças policiais, levados à quadra de basquete da universidade e devidamente catalogados. Houve resistência, mas de nada adiantaria contra a covardia do Estado brasileiro, armado e disposto à violência e barbárie. Estudantes e professores foram agredidos, presos e alguns foram levados ao Setor Militar Urbano para interrogatório. Os relatos posteriores de alguns que estiveram presentes revelam o teor do interrogatório. Torturas e violações gravíssimas à integridade e dignidade daquelas pessoas. Um estudante chegou a ser baleado na cabeça e teve que ser levado às pressas para cirurgia de emergência. Tudo isso ocorreu com estudantes e professores como os que convivem com a gente no campus hoje, apenas porque faziam o que nós fazemos: davam vida à universidade. Estudavam, debatiam e davam sentido ao projeto político de uma educação que visava a emancipação intelectual do povo brasileiro. Afinal, é esse o papel da universidade pública. Não só produzir ciência e um serviço aos brasileiros, mas dar sentido à vida. A educação não é um capricho, muito menos mera qualificação de mão de obra. A educação é um meio para alcançar a liberdade, para viver a democracia e transformar o mundo. A educação pública é, sobretudo, um direito inviolável. Não há forma de descrever a invasão da UnB senão como vergonha e covardia.


Trago esse comentário, sobretudo, porque é fundamental que preservemos a memória do espaço no qual construímos nosso dia a dia. Entretanto, a memória não pode somente ficar enjaulada na consciência de nós, estudantes. Ela deve ser a engrenagem do que nos mobiliza e nos transforma em estudantes operantes. Devemos nos atentar aos ecos dos tempos da invasão. Hoje, mais do que nunca, a universidade pública é ameaçada. As intenções, dispostas num presente que dizem ser distante do passado golpista de 1964, na verdade não são assim tão distantes. Desde de 2016, a educação cidadã já não é mais prioridade das políticas de governo neste país. Após 2018, muito menos. Há anos, a universidade enfrenta projetos pautados em entreguismo e exclusão social que não permitem o desenvolvimento saudável da ciência e da educação superior no país. São vilões da educação os sujeitos que tem a mão forte sobre a universidade. Vimos o preço do RU escalar para R$ 6,10, o transformando em uma das refeições mais caras do país na dimensão da educação pública. O governo distrital de Ibaneis Rocha se esforça para manter o estudante distante da universidade por meio de políticas medíocres e excludentes no transporte público. Em 2020, com aval do então Ministro da Educação Abraham Weintraub, a pracinha da FAU foi destruída a fim de acabar com o convívio social dos estudantes. Durante a pandemia, houve uma altíssima evasão de estudantes porque não existiam subsídios coerentes para mantê-los na universidade. Esses são alguns exemplos do que é recorrente, nos últimos anos, dentro da experiencia dos estudantes na UnB. É necessário que a educação volte, verdadeiramente, a libertar. A violência que ocorreu há 54 anos parece estar presente ainda hoje, embora sob outras formas. Menos concretas, mas tão covardes quanto. O desrespeito à educação pública é o mesmo.


Crédito imagem de capa: Correio Brasiliense

Escrito por Cláudio Águeda, estudante de História.







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