O ativismo político dos estudantes tem raízes nos primeiros tempos da República e ganhou força a partir da fundação da UNE (União Nacional dos Estudantes), em 1937. No fim da década de 1950, o movimento cresceu ainda mais com a criação de faculdades e universidades, em razão da aceleração do processo de modernização do país. Com isto, resultou em um aumento da oferta de vagas, que foram preenchidas majoritariamente por jovens de classe média da sociedade. Esse momento coincidiu com o crescimento e a consolidação de novas correntes políticas ligadas à esquerda marxista no meio universitário. Tais correntes de esquerda foram bem sucedidas ao mobilizarem a crescente insatisfação dos jovens diante dos problemas do sistema de ensino superior.
O movimento foi um dos principais protagonistas da luta contra o regime militar no Brasil. Mesmo antes da ditadura, os estudantes já tinham um papel de destaque na política brasileira. A UNE foi um dos principais agentes de oposição ao golpe militar que, em 1961, tentou impedir a posse de João Goulart na presidência da República. Em consequência da resistência, foi uma das primeiras vítimas do golpe civil-militar. Em 1º de abril de 1964, sua sede no Rio de Janeiro foi invadida, saqueada e queimada. Após ser posta em ilegalidade, suas outras organizações foram logo em seguida, as UEEs (Uniões Estaduais dos Estudantes) e os DCEs (diretórios centrais estudantis). O Movimento Estudantil como um todo passou a ser perseguido pelos agentes da repressão. Após o golpe, a influência das correntes políticas de esquerda levou as autoridades militares a reprimir o movimento estudantil e desarticular as principais organizações representativas dos estudantes.
As constantes tentativas das lideranças estudantis de retomarem suas organizações foi o principal fator a desencadear novas ondas de repressão política e elas passaram a existir como uma oposição ao governo. Desse modo, reivindicações educacionais e manifestações de protesto político contra o governo militar foram as principais bandeiras de luta do movimento na segunda metade da década de 1960. Os estudantes protestavam por causas específicas como a ampliação de vagas nas universidades públicas, por melhores condições de ensino e justiça social, contra a privatização e também em defesa das liberdades democráticas.
De início, o movimento estudantil realizou manifestações, passeatas e atos públicos, organizou debates, congressos e jornais clandestinos. Articulou-se muitas vezes com outros segmentos da sociedade. Os estudantes transformaram profundamente a cultura nacional, lutaram pela conscientização e pelo engajamento da juventude brasileira. Após se tornarem alvo de intensa repressão, o movimento começou a atuar na clandestinidade. Na época, foram reprimidos brutalmente pela polícia em diferentes ocasiões, nas quais muitos foram presos, torturados, feridos e mortos em confrontos com os militares, enquanto muitos foram obrigados a se exilar. Os militantes do movimento eram vistos pelo regime como uma ameaça à segurança nacional.
De acordo com Santos (2009, p. 105) “A luta estudantil se intensificou em 1966, ano em que foi decretado pela UNE, no dia 22 de setembro, o Dia Nacional de Luta contra a Ditadura”. Na data mencionada, policiais militares derrubaram o portão da Faculdade Nacional de Medicina (atual UFRJ), na Praia Vermelha, e invadiram o prédio onde estavam cerca de 600 estudantes que se refugiaram após a manifestação convocada pela UNE. Concentrados no terceiro andar, os jovens foram espancados indiscriminadamente até a saída da faculdade. Esse episódio ficou conhecido como o Massacre da Praia Vermelha e tornou-se um evento símbolo da importância do movimento estudantil na luta pela democracia e pela autonomia universitária.
A mobilização estudantil persistiu e ocorreram novos episódios. Em 1968, o estudante Edson Luís foi morto durante uma manifestação contra a alta do preço da comida no restaurante estudantil Calabouço. A morte do estudante foi o primeiro acontecimento que sensibilizou a população com a luta estudantil levando forças para o movimento. Este episódio surtiu inúmeras manifestações estudantis e populares. No mesmo ano, ocorreu a "Passeata dos Cem Mil”, no Rio de Janeiro, em protesto contra a ditadura, agregando estudantes, artistas, intelectuais e a população em geral, sendo considerada a mais importante manifestação da resistência.
Infelizmente, Edson Luís foi só o primeiro estudante vítima do regime militar. Honestino Guimarães ainda era estudante de Geologia pela Universidade de Brasília (UnB) quando foi preso quatro vezes pela repressão, antes de ser eleito presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (Feub). Depois da quinta prisão e da conclusão do curso de Geologia, em 1969, Honestino entrou para a clandestinidade em São Paulo. Foi preso em 1973, no Rio de Janeiro, pelo Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), e desde então nunca mais foi visto. Em 1996, a família de Honestino recebeu o atestado de óbito, que não dizia a causa da morte. Apenas em 2013, depois de instaurada a Comissão da Verdade, a declaração verdadeira veio à tona, justificando a morte de Honestino como consequência dos atos de violência que sofreu por parte dos militares.
Alexandre Vannucchi Leme também foi estudante de Geologia, na Universidade de São Paulo (USP), e militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Leme, de apenas 22 anos, foi preso em 1973 pelo DOI-Codi enquanto tentava reorganizar o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, o que era ilegal na época. No dia seguinte à prisão, após ter sido submetido a sessões de tortura, foi encontrado morto em sua cela. Alexandre era um militante que foi preso, torturado e morto propositadamente pela ditadura por lutar em favor de ideias contrárias ao regime.
De 1969 a 1973, a repressão política atingiu o seu ápice contra a população. Neste período, o movimento estudantil foi desarticulado, porém boa parte dos militantes e líderes estudantis ingressou em organizações de luta armada para tentar derrubar o governo. Durante os anos 70, o Movimento Estudantil passou por uma fase de reorganização: “as organizações da Esquerda Revolucionária passaram por um período de revisão em que colocavam questões sobre como encaminhar a luta armada e como analisar corretamente a realidade brasileira a fim de que a revolução se concretizasse” (SANTOS, 2009, p. 106).
Somente em 1974 começaram a surgir os primeiros sinais da recuperação do movimento estudantil. O período em que o movimento voltou a ter força coincidiu com uma mudança nos rumos da política nacional, na qual teve início a implementação do projeto de liberalização política, que tinha como intuito a redemocratização do país. O processo foi lento e gradual, durando até o fim dos governos militares.
Com o fim da ditadura militar, o movimento estudantil voltou às ruas para defender seus ideais e a consolidação da democracia no país. O ápice da retomada foi em 1977, quando os estudantes voltaram às ruas. Grandes manifestações e passeatas públicas mobilizaram os estudantes em defesa da democracia. Aos poucos, as principais organizações estudantis foram reconstruídas. Surgiram os DCEs, as UEEs e, em 1979, a UNE foi refundada.
Conseguimos perceber que os estudantes se constituíram numa força de grande combate contra a ditadura militar e sua contribuição nesse processo foi extremamente relevante. Edson Luís, Honestino Guimarães e Alexandre Vannucchi Leme são só alguns nomes de centenas de estudantes mortos ou desaparecidos durante a resistência do Movimento Estudantil contra a ditadura militar. O martírio dos três estudantes se tornou símbolo do movimento e eles são constantemente lembrados e alvos de homenagens. “Lembrar os mortos para que eles não sejam esquecidos, para não esquecermos que se vivia numa ditadura. E aqueles estudantes transformaram o sacrifício num símbolo da luta pela vitória da democracia”. (MÜLLER, 2011, pág. 181).
Referências Bibliográficas
DE ANDRADE, Nayara Carla. A RESISTÊNCIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA DITADURA MILITAR BRASILEIRA. Repositório de Trabalhos de Conclusão de Curso, 2019.
Domingues, Joelza Ester. O movimento estudantil, da ditadura de Vargas à ditadura militar. Ensinar História, 2018. Disponível em: https://ensinarhistoria.com.br/movimento-estudantil-da-ditadura-de-vargas-a-ditadura-militar/ Acesso em: 13 de abril de 2022.
Memórias da Ditadura. Estudantes. Memórias da Ditadura. Disponível em: https://memoriasdaditadura.org.br/estudantes/. Acesso em 14 de abril de 2022.
Memórias da Ditadura. Pm comanda o massacre da praia vermelha. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/pm-comanda-o-massacre-da-praia-vermelha Acesso em: 14 de abril de 2022.
MÜLLER, Angélica. "Você me prende vivo, eu escapo morto": a comemoração da morte de estudantes na resistência contra o regime militar. Revista Brasileira de História, v. 31, p. 167-184, 2011.
SANTOS, JORDANA DE SOUZA. A REPRESSÃO AO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA DITADURA MILITAR. Revista Aurora, v. 3, n. 1, 2009.
Escrito por Evelyn Gonçalves, estudante de História.
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