Já ouviu falar desse termo?
É bem provável que você já tenha ouvido os termos “babado", “bombar” ou “abafar”, mas você conhece o peso histórico por trás da origem dessas palavras? Também chamado de Bajubá ou Endaca, o dialeto foi muito debatido nas redes sociais após aparecer em uma das questões do Exame Nacional do Ensino Médio, em 2018.
Usando apenas o pronome feminino e mais conhecido como "a gíria gay", o Pajubá é uma anti língua que foi muito usada como instrumento de identidade principalmente durante a Ditadura Militar.
A sua origem histórica se deve à rejeição estrutural da comunidade LGBT pela esfera tradicional branca e cristã. Ou seja, não tem como falar dos primórdios da colonização sem mencionar o racismo e a homofobia.
Reflexo da Colonização
A história da segregação por gênero tem por fundamento a punição com violência extrema. Como por exemplo, o primeiro caso registrado de homofobia no Brasil. Aconteceu no início do século XVII, quando um grupo de missionários explodiram o corpo de uma pessoa trans tupinambá com um canhão. A vítima ficou conhecida como o Tibira do Maranhão, cujo o gênero que desempenhava era plenamente aceito de acordo com a sua cultura. Tal agressão serviu para impor os tipos de corpos que seriam permitidos viver no Brasil, mesmo que a noção de pecado sequer existisse na realidade das comunidades afro-indígenas.
Registro historiográfico de Tibira.
O Culto Afro-Brasileiro como refúgio
Com o tempo, por terem liturgias que não fazem acepção baseada na identidade e orientação, a candomblé e a umbanda tornam-se as religiões mais receptivas para a comunidade homoafetiva. Ocorre, então, a junção de dois pólos extremamente marginalizados que juntos formam uma resistência. Consequentemente, o contato com os códigos linguísticos de uma anti sociedade, “A língua de santo” (oriunda dos grupos étnico-linguístico nagô, quimbundo e ioruba) e o português informal, criaram “A Língua Gay”.
O código para proteção
A mentalidade conservadora já existia, mas o golpe de 1964 conseguiu os meios necessários para concretizar um projeto de saneamento moral da sociedade. Ou seja, centralizar o poder na mão do Executivo deu mais liberdade para uma repressão sistematizada.
A Lei de Vadiagem, por exemplo, foi usada como justificativa para a detenção em massa de pessoas queer, tornando-as vítimas de práticas de tortura, espancamento, estupro e extorsão. Em 1976, foi lançada a Portaria 390 da Delegacia Seccional Centro, que autorizava a prisão de todas as travestis que frequentassem o território policiado pelo 4º DP (a Boca do Luxo, em São Paulo).
Travesti sendo presa durante a ditadura
É nesse contexto de opressão sistemática, com a centralização do poder executivo, que o Pajubá é dissipado. Foi muito usado como um código que limitava o conhecimento da mensagem apenas para a comunidade discriminada.
Neon Cunha, uma fluente no Pajubá, cita a seguinte frase na matéria da uol: “Mona erê aquenda os ojus, se os alibans cosicarem/aquendarem no corre cosica as endacas pras monas acá desaquendarem”, que significa “Novinha, fica de olho. Se os policiais entrarem no ônibus, avise para a gente sumir! ”.
Outro aspecto a ser considerado é que o dialeto também é usado para suavizar assuntos tabus da comunidade lgbt. A educação sexual, por exemplo, é um direito tradicionalmente limitado aos homens (que se resume à performance patriarcal fantasiosa). Já com o Pajubá, as pessoas podem se educar e abordar esses temas com maior liberdade. Termos como Chuca (limpeza intestinal para a penetração), Neca (pênis), Amapoa ou Racha (vagina), Velcro (relação sexual entre duas mulheres cisgêneros) e Edí (Ânus) são maneiras de evitar o repúdio público com uma estética mais revestida.
O dialeto nascido da linguagem informal carrega um peso histórico de luta e sobrevivência. Durante o auge da violência esquematizada no Brasil, uma anti língua se expandia em constante tensão, alcançando as esquinas e as ruas. Atualmente, o Pajubá foi incorporado no mainstream cultural. A ressocialização da comunidade LGBT e do Povo do Santo pode ser um bom sinal, mas a intolerância continua forte. Isso significa que a popularização foi sinônimo de perda do caráter de resistência.
Referências Bibliográficas:
PAJUBÁ: O CÓDIGO LINGUÍSTICO DA COMUNIDADE LGBT, RENATO RÉGIS BARROS, UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE ARTES E TURISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E ARTES MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS E ARTES
Catálogo Orgulho e Resistências LGBT na ditadura MRSP 2021
<https://revistatrip.uol.com.br/trip/conheca-as-raizes-historicas-e-de-resistencia-do-pajuba-o-dialeto-lgbt>
Escrito por Kaleo Washington, estudante de História.
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