Você já deve ter ouvido falar sobre o Brasil ser o “paraíso racial” ou o “país da igualdade”, onde não há discriminação de cor e todos vivem em harmonia. Ou então que o “vidas negras importam” é bobagem da geração atual problematizadora, que procura defeito em tudo. Porém, hoje vou te mostrar que os conflitos de raça no Brasil são muito antigos. E para falar sobre esse assunto vou falar sobre a ditadura militar (1964-1985) e o Movimento Negro Unificado (MNU; 1978- até hoje).
Primeiro vamos entender sobre a Democracia racial, a história desse termo, para então falarmos das lutas dos movimentos negros para desmitificar o “paraíso racial” brasileiro. Os historiadores e sociólogos marcam a publicação de Gilberto Freyre[1] (1933) como a primeira obra abordando este assunto, embora Freyre não use essa expressão. O argumento popularmente difundido era que a escravização brasileira tenha sido mais branda que a escravização nos Estados Unidos[2]. A partir dos anos 50, pesquisadores como Florestan Fernandes questionaram as interpretações de Casa grande & Senzala, expondo que não existia convivência harmônica entre brancos e negros, e que existe sim racismo no país.
Bittencourt[3] apresenta que a difusão do mito da democracia racial estava presente, não apenas no imaginário da população, mas que haviam também projetos educacionais a fim de popularizar esse ideal no período dos anos 50 e 60.
Os objetivos centrais da História elaborados pelas políticas públicas do período da democratização populista deveriam limitar-se à disseminação do ideário da “democracia racial brasileira”: a forma pacífica da abolição dos escravos, a importância dos jesuítas na pacificação dos indígenas na fase da colonização, as contribuições dos africanos e dos índios na cultura brasileira… (CIRCE FERNANDES BITTENCOURT, 2018)
Moura e Silva fala que além de ser uma enganação para os brancos, a democracia racial era também uma meta para uma sociedade utópica. A partir dessas exemplificações podemos ter uma ideia de como funcionava o imaginário da população brasileira e o projeto do Estado nos anos 60, sobre a tentativa de moderar a população negra suavizando as violências sofridas durante o período escravista e suas revoltas.
É nesse contexto que surge o Movimento Negro Unificado, bem como outros movimentos negros no final da década de 1970 e início de 1980. Em um contexto de repressão, em que movimentos organizados eram caracterizados como “subversivos” e eram monitorados e perseguidos pelo Estado. Kossling[4] pesquisou o movimento negro através dos documentos da DEOPS/SP.
Desde a década de 1930 ocorreu uma atuação repressiva às associações de afro-descendentes, sustentada por uma visão policial que classificava essas associações como “introdutoras” da questão racial no Brasil e, por consequência, geradoras de conflitos que poderiam desestabilizar a “democracia racial brasileira”. (Kossling, Karin Sant’Anna, 2008)
Imagem 1: Jornal Folha de São Paulo. Fonte: El País.[5]
Criado em 1978, o movimento nasceu a partir do ato público organizado no Theatro Municipal de São Paulo contra a discriminação sofrida por quatro jovens negros no Clube de Regatas Tietê e o assassinato, sob tortura, do trabalhador negro Robson Silveira da Luz, em uma delegacia de polícia.
Imagem 2: Theatro Municipal. Inaugurado em 1911. Fonte: Arquivo público do estado de São Paulo.
O movimento contra a discriminação racial buscava sensibilizar a sociedade em prol de suas causas. Como estratégia, buscavam se aproximar de outros grupos afro-brasileiros e a luta pela anistia. Eram feitos debates democráticos, panfletagem “movimento negro contra a ditadura assassina” e participações em eventos contra a ditadura. Eram abordadas pautas tanto do movimento da anistia quanto do movimento negro, como exemplo das convergências de interesse temos as abordagens em relação ao aparelho policial do Estado, que era usado para repimir a oposição à ditadura e na repressão e dominação do povo negro.
Imagem 3: Jornal MNU. Julho de 1981. BA[6]
A partir de 1983, o MNU passou a ampliar seus contatos com organizações sociais, sindicatos, partidos, entre outros. O objetivo era levar para todos os trabalhadores negros o incentivo para participarem de unidades representativas lutando pelo direito dos negros e buscando a democracia no Brasil. Esse novo contato com as demais associações potencializou o movimento de 13 de maio de 1981, que contou com o apoio de diversas entidades democráticas brasileiras.
A partir desses contatos, o MNU pôde fazer exigências a respeito dos direitos dos negros dentro de organizações partidárias, além de pedidos ao Estado. Em novembro de 1986 o movimento negro fez uma proposta à assembleia constituinte[7] (processo de formulação da Constituição Federal, oficializada dois anos depois em 05 de Outubro de 1988) pedindo a criação de um tribunal voltado para causas de discriminação racial, além da punição de reclusão àqueles que forem julgados culpados. Pedindo para que o Estado assegure a posse de terra de comunidades quilombolas, garantir a liberdade religiosa e que a tortura seja considerada como crime contra a humanidade.
Imagem 4: Lélia Gonzalez. Autor: Cezar Loureiro. Antes de 1994.
Algumas das figuras mais lembradas são Lélia Gonzalez e Milton Barbosa. Lélia nasceu em 1 de fevereiro de 1935, formada em história e geografia e mestra em comunicação e antropologia. Uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado, Lélia se dedicou a militar sobre a subalternidade das mulheres negras. Escreveu livros famosos, como “Por um feminismo afro latino-americano”, e inspirou ilustres figuras do movimento negro internacional como Angela Davis[8].
Imagem 5: Milton Barbosa, 2016. Fonte: Memorial da resistência São Paulo.[9]
Milton nasceu em 12 de maio de 1948. Ingressou no curso de economia na USP em 1974. Começou a militar contra a ditadura pela Liga Operária e pelo sindicato dos metroviários. Em 1976, desligou-se da Universidade para se juntar ao Movimento Negro Unificado.
O Movimento Negro Unificado, segue atuante no Brasil. No dia de 26 de agosto de 2021, a ativista Samira Soares, encontrou o pré-candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), e fez um pedido para que haja mais representantes negros na política do país[10]. Se lhe interessar, visite o site[11] do movimento negro e conheça o estatuto e seus dirigentes.
[1]http://www.unirio.br/unirio/unirio/cchs/ess/Members/debora.holanda/teorias-do-brasil-2019-01/unidade-2/gilberto-freyre-casa-grande-e-senzala/view [2] Moura e Silva, Mateus Lôbo De Aquino. CASA-GRANDE & SENZALA E O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL, 2015. 39° encontro anual Anpocs. Mestrando pelo Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. [3] Circe Fernandes Bittencourt. Reflexões sobre o ensino de História, Estudos Avançados 32 (93), 2018. [4] Kossling, Karin Sant’Anna. Movimentos Negros no Brasil entre 1964 e 1983. [5]https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-07/o-papel-da-extrema-direita-e-fazer-a-populacao-oprimida-se-reestruturar-nos-temos-que-derrota-la.html [6] http://negritos.com.br/2019/01/14/nego/ [7]https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/115567/1986_NOVEMBRO_029.pdf?sequence=1&isAllowed=y [8] https://www.youtube.com/watch?v=j4rQBkHQOgw [9] http://memorialdaresistenciasp.org.br/entrevistados/milton-barbosa/ [10]https://almapreta.com/sessao/cotidiano/com-lula-movimentos-negros-pedem-por-mais-representatividade-no-poder [11] https://mnu.org.br/mnu/
Letícia Guimarães Miranda, estudante de História
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