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  • Foto do escritorMemória e Ditadura nas escolas do DF

Moda e Ditadura Militar

Zuzu Angel, nome artístico de Zuleika Angel Jones, foi uma estilista, designer de moda e costureira brasileira. Na década de 1960, a estilista começou a ganhar notoriedade. Zuzu produzia uma moda diferente no contexto nacional: adicionava estampas nacionais às tendências estadunidenses e europeias. As estampas coloridas, florais, elementos da fauna e da flora do nosso país eram características dos tecidos usados pela designer.


Zuzu começou a ganhar fama e notoriedade. Os principais jornais do país noticiavam seus desfiles. Zuzu produzia peças de grife, mas também tinha ateliês populares, proporcionando uma moda de acesso comum às classes. Com o sucesso comercial popular, a estilista passou a ser uma profissional requisitada dentro da elite brasileira, inclusive na elite militar. Enquanto o país passava por um dos maiores pesadelos de sua história, a designer experimentava sua ascensão econômica. Zuzu Angel aproximou-se de algumas figuras políticas durante a Ditadura Militar, produzia trajes importantes usados em grandes cerimônias, como algumas peças da família Costa e Silva.


Zuzu Angel


De outro lado, Stuart Angel, filho de Zuzu, militava assiduamente contra o regime militar. O jovem universitário, participava do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) e junto com seus amigos e sua namorada exercia a militância através da panfletagem e da disseminação de ideias revolucionárias, além de ações de guerrilha. Zuzu Angel transitava entre a elite militar, responsável pelo governo autoritário, e entre os jovens guerrilheiros, que tinham como objetivo derrubar o governo ditador.


Em maio de 1971, Stuart Angel, que estava vivendo e agindo na clandestinidade desde 1969, foi capturado e preso pelas forças policiais. Zuzu, em um primeiro momento procurou pelo filho dentro das exigências burocráticas, mas não obteve êxito. A estilista decidiu usar a sua expressão artística em favor dos protestos políticos. Com um desfile marcado para agosto, em Nova Iorque, na casa do cônsul brasileiro, Zuzu Angel adiou para setembro o lançamento de sua nova coleção e modificou suas peças, refletindo a angústia vivida por ela naquele momento.


As estampas alegres e extravagantes deram lugar ao luto e ao silêncio, que se fazia ensurdecedor. A partir de 1971, Zuzu passou a produzir o que se pode chamar de “moda-protesto”. As cores quentes foram substituídas pelo branco e os elementos tropicais foram substituídos por desenhos totalmente infantilizados. Os pássaros alegres e livres, foram enclausurados e contidos em gaiolas.

O branco simbolizava uma pureza de alma e os desenhos eram representações dos impactos psicossociais que afetavam as crianças do Brasil, sobretudo o seu “pequeno Stuart”, o qual ela passou a simbolizá-lo por um anjo, também infantilizado. Os anjos infantis, seres mitologicamente inocentes e de boas intenções, eram elementos constantes nas peças de Zuzu.


Vestido Protesto Político, 1972


Além das manifestações em suas produções comerciais, Zuzu passou a usar indumentárias totalmente lutuosas, com características sombrosas. As roupas fúnebres usadas pela designer durante esse período, traziam consigo crucifixos, pássaros presos e véus, símbolos de quem passa por um momento de dor.


A mensagem que a estilista quis passar aos convidados políticos era de que algo bastante tenebroso estava ocorrendo em seu amado país. O coração apertado de uma mãe, que abriu mão da posição social que ocupava, expressava em seu trabalho a dor e a esperança de encontrar o seu pequeno anjo, Stuart.



Conjunto Luto Zuzu Angel


Em 1972, Zuzu Angel recebe uma carta de Alex Polari, companheiro de Stuart e militante. Alex Polari relata as cenas de tortura de Stuart Angel, testemunhadas por ele. Ambos estavam presos no Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica, na base aérea do Galeão. Os relatos são dolorosos e mais uma vez demonstram a impiedade dos militares e o descumprimento de toda e qualquer possibilidade do exercício dos direitos humanos.


“Junto a um sem número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart já com a pele semi esfolada, era arrastado de um lado para o outro do pátio amarrado em uma viatura e de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta a aspirar os gases tóxicos que eram expelidos.” (POLARI, 1972)


Desolada e com a alma dilacerada pelo relato que leu, Zuzu decide partir em busca do corpo do seu filho. A designer, não mais dividida entre a convivência com os coniventes com as atrocidades do regime, usa sua moda de alcance mundial para escancarar os absurdos ocorridos no Brasil. A partir de 1972, cada vez mais Zuzu Angel produzia peças antiditadura. Ao passo que a mídia boicotava a estilista, uma parcela da classe média que àquela altura já não mais apoiava o governo militar, adotou a estilista e de certa forma patrocinavam o seu trabalho, usando em seu cotidiano as produções da maior costureira do Brasil naquela época.


De 1972 à 1976, Zuzu Angel literalmente tecia críticas ao governo militar. As peças da estilista eram reflexo da sua dor e decepção. Ao longo desses anos, assiduamente a estilista se envolvia em causas políticas e já não tinha receio de expressar sua opinião. Zuzu era uma dama da elite brasileira e, até mesmo, estadunidense, mas tinha uma grande admiração por parte das camadas mais populares, pois as suas peças eram acessíveis.


Em 14 de abril de 1976, no Rio de Janeiro, Zuzu Angel sofre um acidente de carro e vem a óbito. A causa do acidente é bastante misteriosa, e as evidências apontam para uma sabotagem, que culminou na morte da designer aos 55 anos de idade.


Zuzu Angel teve um dos grandes amores de sua vida roubado, torturado e executado pela Ditadura Militar no Brasil. Mesmo a estilista que confeccionava as peças que elevavam a apresentação pessoal dos grandes oficiais políticos, experimentou a traição do governo que nenhuma vida valorizava.


Zuzu Angel em NY


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Fotos: Acervo Digital Zuzu Angel, acesso em 27 de fev., de 2022 Disponível em: https://www.zuzuangel.com.br/

MEDEIROS, Rodrigo Rui Simão de. Manifesto de Tecido A moda de Zuzu Angel e a ditadura civil-militar. Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas, p. 348-366, 2020.

ANDRADE, Priscila. Zuzu Angel: o poder da moda contra a opressão. Acesso em 12 de mar., de 2022. Disponível em: Zuzu Angel Moda Protesto.pdf


*Se tiver interesse leia também o texto "Artes que se movem", publicado aqui no site ano passado, em que a escritora fala sobre as artes no período da ditadura e um pouco sobre Zuzu também.


Escrito por Eduardo Oliveira, estudante de História



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