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Foto do escritorMemória e Ditadura nas escolas do DF

Lei da Anistia e o problema do esquecimento

Os brasileiros enfrentam, desde o fim da Ditadura Militar em 1985, um fantasma carregado de dor e sofrimento em suas memórias. A violência do Estado sobre o seu próprio povo marcou as gerações que viveram o regime e as gerações que, posteriormente, lidam com as lembranças aterrorizantes que a história revela. Hoje, num país democrático, mas cheio de cicatrizes, é fundamentalmente necessário que o passado seja rememorado. Nesse sentido, trago o debate sobre a anistia brasileira que ganhou forma muito singular nos tempos da ditadura. A saber, a Lei nº 6.683 de 28 de agosto de 1979, a Lei da Anistia, condensa anos de luta e resistência pelo fim da violação aos direitos humanos em um documento muito importante para a transição democrática do país. Contudo, opera contra a plena democracia na medida em que age pela impunidade de quem sujou as mãos com o sangue do povo brasileiro. Assim, a Lei da Anistia se torna um problema e suscita a continuidade imprescindível do debate sobre a memória que nós, brasileiros de hoje, precisamos ter sobre nossa história.

A repressão política por parte do Estado brasileiro a partir de 1964 contra os opositores do regime motivou a resistência de diversos segmentos sociais. Nesses termos, a reação contra a ditadura foi germinada e culminou na transição para a democracia, período que nos interessa para pensar a anistia. A censura e a perseguição política, cartadas basilares do modo de operação e controle dos militares, encontraram absurda legitimidade em 1968 com a promulgação do Ato Institucional nº 5, que permitia às forças de segurança do Estado o uso deliberado de mecanismos de violência sobre os opositores. Os anos que seguem contemplam, então, a parte mais tenebrosa da Ditadura Militar. A censura e a perseguição política se traduzem abertamente em assassinatos e torturas de militantes políticos, artistas, estudantes e outros grupos sociais de oposição. A violência extrema se estende por todo o território nacional. Os militares dispunham de um aparato muito forte e covarde contra a oposição democrática, de tal forma que a possibilidade de resistência era quase imaginária. Aqui, tratamos de uma situação traumática a muitas famílias e comunidades que sentiram na pele e no coração a dor da violência Estatal. A reação, portanto, haveria de chegar. Era inevitável.

Em razão do trauma e da urgência de mudança, alguns segmentos sociais passam a clamar pelo fim da violência e do próprio regime. No fim dos anos 1970, a possibilidade de vislumbrar tempos democráticos aparecia no horizonte dos brasileiros. A Ditadura se esgotava por consequência de suas ações políticas e, também, pela conjuntura política internacional. Grupos como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, as Comunidades Eclesiais de Base, os movimentos estudantis, o Movimento Feminino pela Anistia e os Comitês Brasileiros pela Anistia, para citar alguns, protestavam abertamente pelo perdão aos perseguidos e fim da censura.

Nesse contexto de clamor popular por respeito aos direitos dos cidadãos brasileiros, em agosto de 1979, o presidente João Figueiredo sancionou a Lei da Anistia. Porém, ainda que atenda aos anseios populares e traga o perdão aos perseguidos por crimes políticos, a lei é grafada a fim de afagar os anseios da situação, constituindo, assim, o problema que motiva nossa discussão. O “esquecimento” dos crimes políticos da oposição é acompanhado do silêncio sobre os crimes de violência da Ditadura Militar. O perdão foi concedido aos que sofreram injustamente com medidas de perseguição, mas também foi dado aos que praticaram a violação dos direitos humanos por parte dos militares. O esquecimento foi desenvolvido nos termos da Ditadura Militar. A lei certamente operou a favor da democracia, mas muito fez em benefício dos militares. A lei gerou imensa impunidade sobre os crimes cometidos pelos militares. Mais de 40 anos depois, é razoável afirmar que quase todos os militares envolvidos nos crimes da ditadura não foram minimamente responsabilizados pelos seus atos.

Chegando nos finalmentes da minha divagação, gostaria de atentar para os horizontes que a Lei da Anistia oferece à história e à vida dos brasileiros. A impunidade atribuída aos militares deve ser assunto recorrente em nossa memória coletiva. A Ditadura Militar, talvez por ser uma chaga tão recente de nossa história, ainda dói muito. Mesmo as novas gerações de brasileiros sentem, em alguma medida, a textura das cicatrizes que foram deixadas. A história que nos é ensinada e que nos é também vivenciada não deve perder de vista a experiência da ditadura. Do ponto de vista político, o período discutido é pauta canônica na linguagem dos brasileiros e passa por distorções muito perigosas corriqueiramente. Desde a redemocratização, houve esforços para a promoção de uma memória política ética e verdadeiramente íntegra sobre a Ditadura Militar, como a sanção da Lei nº 9.140 de 4 de dezembro de 1995, a Lei dos desaparecidos políticos do Brasil; como a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos em 1995, a criação da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça em 2001 e, mais recentemente, a Comissão Nacional da Verdade durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, em 2011. Os exemplos citados são formas reais de transformar a memória coletiva sobre o passado traumatizante vivido pela sociedade brasileira e têm operado positivamente. A anistia sobre o período do regime militar deve ser constantemente revisitada, num movimento que respeita a história de luta do povo brasileiro por um país democrático.


Referências

Lei nº 6.683 de 28 de agosto de 1979

Lei nº 9.140 de 4 de dezembro de 1995

Lei nº 12.528 de 18 de novembro de 2011

BERNARDES, Brenda Soares. História e historiografia da anistia brasileira de 1979. XIII Semana de História: Pátria Amada Brasil. 2019.

RIBEIRO, Denise Felipe. A Anistia Brasileira: antecedentes, limites e desdobramentos da ditadura civil-militar à democracia. Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói. 2012.



Escrito por Cláudio Águeda, estudante de História







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