Padres tentam evitar choque com policiais a cavalo durante missa em memória do estudante Edson Luís de Lima Souto, nas proximidades da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro.
A partir da década de 60, o crescimento da Esquerda gerou preocupação dentro da Igreja, que temia a ameaça comunista e a desordem social que poderia acontecer. Portanto, o temor de que o comunismo chegasse ao Brasil foi uma justificativa usada pela Igreja para apoiar o golpe. Dessa forma, foi claro o apoio do clero na organização da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 19 de março de 1964, em resposta contrária ao comício pelas reformas de base ocorrido em 13 de março, pelo então presidente da república, João Goulart (1961-1964).
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), em um documento de junho de 1964, agradecia os militares por salvarem o país, mas algumas partes mostravam posições contraditórias dentro do episcopado, pois faziam críticas à repressão contra a Igreja:
“Não podemos concordar com a atitude de certos elementos, que têm promovido mesquinhas hostilidades contra a Igreja, na pessoa de bispos, sacerdotes, militantes leigos e fiéis. (...) Não aceitamos a acusação injuriosa de que bispos, sacerdotes ou fiéis ou organizações como, por exemplo, a Ação Católica e Movimento de Educação de Base (MEB) sejam comunistas ou comunizantes”. (MAINWARING, 2004, p. 103).
Dessa maneira, podemos ver que não houve um apoio homogêneo da Igreja Católica, sobretudo por parte da CNBB, que desde o início possuía bispos que defendiam os direitos humanos e a democracia, por mais que também houvesse integrantes da Igreja que não queriam se indispor com os militares. Um dos integrantes contrários foi dom Hélder Câmara, o secretário-geral da CNBB, que era contrário ao regime, e, em razão disso, foi transferido para o Nordeste.
Com o Concílio Vaticano II, conjunto de reuniões de autoridades eclesiásticas que ocorreu entre 1962 e 1965, a Igreja passou a defender a justiça social e os direitos humanos. Em 1968, na reunião do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano), realizada em Medellín, bispos voltaram a defender a justiça social e criticaram o subdesenvolvimento na América Latina.
A justiça social visa a uma sociedade igualitária, cuja democracia e os direitos humanos sejam respeitados. Algo que não ocorria no Brasil, já que a desigualdade social estava evidente e a violência era resposta para qualquer forma de manifestação contrária ao regime.
No ano de 1968, entrou em vigor o Ato Institucional n° 5, que endureceu o regime e deu permissão para atitudes repressivas do Estado. O período entre 1968 e 1973 foi o mais violento do regime militar, e as torturas tornaram-se mais escancaradas, tornando-o conhecido como os “anos de chumbo”.
Nesse contexto, houve uma ruptura entre a Igreja e a Ditadura. Dom Hélder Câmara, que desde o início foi contra o golpe, teve um de seus assessores, o padre Antônio Henrique Pereira Neto, sequestrado e morto pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Outra ordem que também se opôs ao regime foi a dominicana, como os freis Tito, Ivo, Fernando e Betto, que apoiaram a ALN (Ação Libertadora Nacional) e Carlos Marighella. E, por esse motivo, foram alvos da repressão, e muitos foram presos e torturados.
A partir de 1969, em resposta ao AI-5, a CNBB passou a adotar condutas mais críticas em relação ao Estado. Os bispos criticaram a permissão de violações arbitrárias, a retirada do direito de expressar opiniões e as ameaças à dignidade física e moral dos indivíduos (MAINWARING, 2004, p. 130). Além de mostrar preocupação com os efeitos desigualitários da política econômica, e questionar a ideia de que o desenvolvimento é a solução para a maioria dos problemas da população.
Mas foi em maio de 1970, durante a Assembleia Geral, que a CNBB divulgou um documento que denunciava os abusos da Ditadura Militar, e deixava de forma explicita a repulsa à tortura:
Não podemos admitir as lamentáveis manifestações da violência, traduzidas na forma de assaltos, sequestros, mortes ou quaisquer outras modalidades de terror. (...) Seríamos omissos se não frisássemos, neste momento, nossa posição firme contra toda e qualquer espécie de tortura. (MAINWARING, 2004, p. 130)
Além de dom Hélder, outra autoridade de destaque foi dom Paulo Evaristo Arns, que intervia por vítimas de repressão e publicava fortes denúncias contra o regime. Em 1972, foi responsável pelo surgimento da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, que se incumbia de proteger os presos políticos. Dom Paulo, que foi uma figura essencial para a abertura do regime, em 1973 celebrou uma missa na Catedral da Sé, em intenção de Vannucchi Leme, um jovem militante da ALN que havia sido assassinado nas dependências do DOI-CODI, e, em 1975, realizou um ato ecumênico em homenagem a Vladimir Herzog, um jornalista que também foi assassinado pelos militares.
Em 1977, a CNBB efetuou a ruptura com o regime militar, ao publicar o documento “Exigências cristãs de uma ordem política”, onde reafirmava a luta pela democracia, direitos humanos e justiça social como a base da crítica católica à Ditadura.
Essa transformação da Igreja foi consequência de alterações na política, na sociedade brasileira e na Igreja internacional. Seja por questões de violência ou repressão, o regime afetou a Igreja, porém, nem sempre as igrejas se tornam mais progressistas conforme a sociedade se torna mais repressora, como algumas igrejas regionais (sobretudo as do Sul), não passaram por transformações (MAINWARING, 2004, p. 132).
Logo, é perceptível que a Igreja inicialmente apoiou o golpe e tentou ser imparcial nos primeiros anos da ditadura, mas também executou uma atuação de repúdio à violência extrema dos militares, além de ter exercido um papel importante para a queda do regime militar e a redemocratização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMES, Paulo Cesar. Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira (1971-1980): a visão da espionagem. Rio de Janeiro: Record 2014
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense. 2004.
Escrito por Carolina Alves, estudante de História.
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