Frei Tito, em entrevista em 1971. Imagem: Reprodução/Dominicanos
Nos dias primaveris, colherei flores para meu jardim da saudade. Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio.
TITO DE ALENCAR, 12 de outubro de 1973
Tito de Alencar Lima, mais conhecido como Frei Tito, nasceu em Fortaleza, no dia 14 de setembro de 1945. Filho de um casal católico e comprometido com as questões sociais, Tito herdou os ideais de seus pais, e, além disso, foi muito inspirado pela irmã Nildes, que ajudou a mãe a criá-lo e o influenciou a buscar um catolicismo politizado e empenhado nos problemas sociais.
Aos 12 anos, Tito iniciou a militância na Juventude Estudantil Católica (JEC), um movimento da Ação Católica, e foi quando surgiu uma nova perspectiva sobre a Igreja, onde o social tornou-se relevante, além do início de sua vocação sacerdotal. Foi em fevereiro de 1967 que, ao assumir seus votos de pobreza, obediência e castidade no Convento das Perdizes, em São Paulo, Tito se tornou Frei Tito, e prosseguiu sua formação intelectual, contudo, sem deixar de nutrir seu engajamento político. É indispensável destacar que, nesse período, o convento era um local fértil para as discussões políticas, e os frades dominicanos sempre procuravam ir além dos discursos teológicos, dessa maneira, constantemente existiam debates políticos.
Frei Tito no Convento de Belo Horizonte, 1966.
Em 1967, assim como outros frades do Convento das Perdizes, Tito foi aprovado em ciências sociais no vestibular da USP, onde se abriu para o mundo e para a luta política, e passou a identificar a repressão policial sofrida pelos estudantes.
Em 1968, Tito foi encarregado de encontrar um local para o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), que precisava ser em uma região afastada, já que o congresso era clandestino. Foi nesse congresso em que o Deops (Departamento de Ordem Política e Social) prendeu e fichou todos os 712 universitários que estavam no encontro, entre eles estavam José Dirceu e Luís Travassos, que ficaram presos até 1969, quando foram libertados em troca do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick. Frei Tito foi um dos estudantes fichados, porém, o Deops não possuía conhecimento de que Tito foi quem tratou do empréstimo do local do congresso, sendo assim, foi libertado após o fichamento.
Em 1969, Frei Tito foi preso na Operação Batina Branca, idealizada pelo sádico delegado Sérgio Paranhos Fleury, que consistia na invasão do Convento das Perdizes e na prisão dos dominicanos por darem apoio a Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella. No DOPS, Tito foi interrogado sob tortura, onde foi deixado nu, sofreu violências físicas e humilhações, e, por ser um frade, constantemente a Igreja era ridicularizada pelo delegado. Por não deletar alguém, Tito fui submetido a choques elétricos e ao pau de arara, um método de tortura onde o indivíduo fica amarrado e pendurado em uma barra.
Preso no DOPS, Tito e outros presos políticos continuaram envolvidos na discussão política, liam e deliberavam sobre o futuro da resistência, ainda que vivendo com a contínua insegurança de estarem sendo observados por infiltrados.
Tito já estava preso há 113 dias, e estava se curando dos horrores que viveu no DOPS quando foi levado para a Oban (Operação Bandeirantes), criada em 1969 e depois chamada de DOI-CODI. Nesse local, a crueldade da tortura retornou para Tito, interrogado e torturado durante três dias, exigiam que ele entregasse quem cedeu o sítio para o congresso da UNE e assinasse um depoimento alegando que os dominicanos haviam participado de roubos a banco. Durante esse período queimaram sua pele, deram-lhe choques, sobretudo na boca, para “receber a hóstia sagrada”, como dizia o capitão Benone Albernaz, seu algoz.
Após as torturas, ao chegar na cela, Frei Tito tentou suicídio com uma gilete, mas foi socorrido e levado para o Hospital Militar do Cambuci. Mas esse acontecimento não diminuiu a perversidade de seus carrascos nem sequer no hospital, pois o torturaram psicologicamente diversas vezes ao chamá-lo de “frade suicida”, e que seria expulso da Igreja.
Em dezembro de 1970, o embaixador suíço Giovanni Bucher foi sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), e, em troca, exigiam a libertação de uma lista de presos políticos, no qual Tito estava incluído. Em 1971, Tito foi banido do Brasil em função do Ato Institucional 13 (AI-13), desse modo, foi para Santiago, no Chile. No país, não conseguiu usufruir da liberdade em razão dos traumas da tortura, além das inseguranças provocadas pelo exílio em uma terra estrangeira.
Cerca de duas semanas após o exílio em Santiago, Tito fez uma passagem por Roma, e depois seguiu para a França, onde passou seus últimos anos de vida. Em 1972, Tito se mudou para o Convento Sainte-Marie de La Tourette, na região de Lyon. Tito possuía muitos traumas e feridas emocionais, e não conseguia se acostumar com a língua e costumes franceses. Foi internado em setembro de 1973, quando passou a delirar, sobretudo com ordens de Fleury, o delegado que foi seu torturador.
No dia 10 de agosto de 1974, Tito não aguentou as dores psicológicas da tortura, e cometeu suicídio. Seu corpo foi enterrado no pequeno cemitério do convento Sainte-Marie de La Tourette. Apenas em março de 1983 seu corpo chegou ao Brasil, e houve uma missa na Catedral da Sé, celebrada por dom Paulo Evaristo Arns, lembrando Frei Tito de Alencar Lima e o estudante Alexandre Vannucchi, um líder estudantil morto em 1973. O corpo de Tito foi enterrado no Cemitério São João Batista, em Fortaleza.
Frei Tito possui uma notável importância para a história do país. Resistiu e buscou uma sociedade melhor, e sofreu com todas as marcas deixadas pela violência de um governo torturador, que, infelizmente, tornou sua vida breve e dolorosa. Tito é o exemplo de um jovem que se comprometeu com as dificuldades de sua época, e tentou, de todas as formas, construir uma justiça social.
Referências Bibliográficas
DUARTE-PLON, Leneide e MEIRELES, Clarisse. Um homem torturado. Nos passos de frei Tito de Alencar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
SCHWARCZ, Lilia; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. 2015. Companhia das Letras, São Paulo
Escrito por Carolina Peixoto, estudante de História.
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