----------Tenho sido forasteira durante quase toda a minha vida, condição que aceito por não dispor de alternativa. Várias vezes, vi-me forçada a partir, rompendo laços e deixando tudo para trás, a fim de recomeçar em outra parte do mundo; tenho peregrinado por mais caminhos do que sou capaz de recordar. De tanto despedir-me, secaram minhas raízes e tive de criar outras, que, à falta de um lugar geográfico no qual aprofundarse, foi na memória que se fincaram (ALLENDE, 2009, p. 11).
Há várias formas de se ser exilado, a palavra serve para quem é exilado de uma sociedade, de um país, de uma cultura, todos eles são cruéis, esse sentimento de ser exilado por conta de um governo autoritário, mas, apesar de ainda ser um problema presente na sociedade contemporânea, é o exílio durante a ditadura militar que quero retratar aqui, o ato de ser expulso de tudo que se conhece e se identifica, de ser expulso de casa, por conta de uma minoria, e junto a isso, a impossibilidade de regressar “até que haja uma modificação nas circunstâncias políticas.”
Segundo Edward Said, o exílio é um fenômeno que existe por conta do sentimento nacionalista, “Edward Said, implacável com o nacionalismo, enxerga-o necessariamente como um anti-humanismo, por funcionar inexoravelmente como máquina geradora de apartações, perseguições e exílios.” (RIBEIRO,2011) assim, seguindo essa ideia, se esse sentimento não existisse, o tema desse texto também não existiria “O exílio não é uma questão de escolha: nascemos nele, ou ele nos acontece.” (Edward Said). Junto a sua origem, devemos começar entender que o exílio não é uma viagem que se faz por querer, portanto, apesar da possibilidade de transformar essa experiência em algo proveitoso, não é algo que se consiga fazer facilmente visto que se foi obrigado a deixar muitas vezes família, amigos, casa, trabalho, tudo para trás, como coloca Simone Weil, “Ter raízes é talvez a necessidade mais importante e menos reconhecida da alma humana” portanto, a partir do momento em que obrigatoriamente se tem que deixar suas raízes, sofre se ali um trauma, além de outros sentimentos piores que serão explorados mais abaixo.
Adorno nos traz essa visão positiva do exílio, como a possibilidade de enxergar por olhos alheios à aquele lugar e, tratar este como uma espécie de viagem, em que se está conhecendo uma nova cultura, junto a oportunidade de aguçar o senso crítico, mas, também traz o contraponto, o dos sentimentos ruins que são causados e experimentados por conta do exílio:
“Adorno inicia por considerar as dificuldades a que se expõe aquele que perde a casa. Vive num ambiente que lhe permanecerá incompreensível e, por mais que conheça, quer as organizações sindicais quer o tráfego urbano, estará sempre desorientado. O exilado é, sem exceção, prejudicado. A experiência do isolamento soma-se à descaracterização de sua língua nativa e ao sepultamento de suas raízes. ” (RIBEIRO, 2011).
A meu ver, elimina a possibilidade de uma viagem em que, ao contrário do exílio, se sabe que ainda há uma casa em algum lugar, um local seguro e familiar sendo assim uma das formas de lidar cruelmente pois, podemos considerar o exílio como uma violência com quem se manifestava contra a ditadura, principalmente após o Ato Inconstitucional número 5 (AI-5), assim, artistas, militantes, estudantes que se manifestaram contra o regime sofreram essa agressão.
“É plausível pensar que o sofrimento do exílio acarreta ao fim, nas sociedades que abrigam os exilados, mudanças que não ocorreriam sem tal fluxo migratório. Já se dizia que estudiosos medievais itinerantes e escravos gregos cultos no Império Romano – os exilados (ou os excepcionais dentre eles) – fermentaram seus ambientes. Não podemos, no entanto, pretender reverter em positividade o infortúnio e a privação das necessidades de deslocamentos humanos maciços na atualidade.” (RIBEIRO, 2011)
Outro ponto que abrange a questão do exílio são as diferenças entre como esses homens e mulheres vivenciam a experiência além do durante, também em sua volta para seus países de origem como o depoimento a seguir relata:
“É terrível, é terrível porque eu acho que... é a Ditadura não terminou aí e nem essa absolvição disse muita coisa não. Você veja eu estava no terceiro ano, na época que eu tive que sair, no terceiro ano de Ciências Sociais que diz que não era um curso a lá grande coisa lá mas era um direito meu eu passei por vestibular não por favor nenhum, é a filosofia tinha uma pasta, a minha pasta lá que tinha tudo o histórico o currículo do aluno, a minha era a número 11, eu fui descobrir isso depois, aí eu cheguei lá pra requisitar esses documentos [...] aí a menina a secretaria, a burocrata agora coitadinha mocinha nova ela tinha a 10 e de e [...] a 12, quer dizer a minha pasta era um vazio não tinha, ela disse nossa não está aqui e eu disse é não, não deve estar porque o DOPS levou. Então eu não tinha nada, eu só conseguia provar que eu estava na universidade federal do Paraná na época que eu cursei esses três anos ia pro quarto e aí não deu porque eu tinha as carteirinhas da UPES [...] eu não conseguia junto com a Universidade Federal do Paraná uma carta, uma declaração uma coisa qualquer que eu frequentei algum dia aquela universidade.” (FERREIRA, 2020).
Na problemática forma de resolver essa questão do exílio, temos a anistia, acompanhada dos problemas trazidos em outro texto aqui no site. Mas, além destas, teremos também o problema de realocar essas pessoas que haviam sido expulsas de sua própria pátria, como o depoimento traz, a falta de perspectiva, mesmo dentro de seu próprio país, um passado apagado, para onde foi a história dessas pessoas? “possibilita a volta de muitos exilados, mas também perdoa os crimes daqueles que os perseguiam” (FERREIRA, 2020).
Por fim, cabe a nós observar que o exílio não acabou com o fim da ditadura, ele é ainda hoje uma medida tomada em tempos de guerra e um problema por diversos motivos em diversos países visto que, ser exilado, além de gerar uma fratura na dignidade humana, como coloca BRAGA, além de não deixar de ser um tipo de violência que fica mais escancarada em tempos de guerra. “mas, concretamente, o mundo até hoje é produto de tais exílios e dos incontáveis deslocamentos de pessoas e povos. Quaisquer avanços em termos de hospitalidade humana ou, no mínimo, reconhecimento do outro em seus direitos humanos é produto daqueles que conheceram o exílio e de suas lutas.” (RIBEIRO, 2011).
Não podemos deixar de pensar ainda as consequências tanto para quem é exilado quanto para o país que acolhe essas pessoas “há mais exílios, expulsões, sempre há mais: a doença, o analfabetismo, a fome, a inveja, a impotência. Todas são expulsões da vida plena. E, na província alheia, está a morte, que é o exílio final, o irreparável, o exílio para o qual nascemos” (BENEDETTI, 1986, p. 12). ”IN (RIBEIRO, 2011). Portanto, para finalizar essa reflexão, devemos pensar em exílio com toda a complexidade mental, sentimental histórica e econômica que fica marcada na vida das pessoas e também nos países envolvidos – tanto o que acolhe quanto o que expulsa.
REFERÊNCIAS:
COELHO, Haydée; O exílio de Darcy Ribeiro no Uruguai; In: Aletria ,2002, p.211-225.
FERREIRA, Gabriella; Mulheres no paraná e suas memórias sobre o processo de exílio durante a ditadura militar (1968-1985); Primer Congreso sobre Exilios en América Latina y V Jornadas de Trabajo sobre Exilios Políticos del Cono Sur In: http://jornadasexilios.fahce.unlp.edu.ar/. Visita em 17/07/2022.
RIBEIRO, Adelia; Intelectuais no Exílio: Onde é a minha casa? In: Dimensões, vol. 26, 2011, p. 152-176.
ROLLEMBERG, Denise (Universidade Federal Fluminense, Brasil). (2007). Entre raízes e radares, o exílio brasileiro (1964-1979). XI Jornadas Interescuelas/Departamentos de Historia. Departamento de Historia. Facultad de Filosofía y Letras. Universidad de Tucumán, San Miguel de Tucumán.
SAID, Edward; i l’exili: una mirada en contrapunt In: DEBATS · Volum 130/1 · 2016, p. 109-114.
Escrito por Sarah Alves, estudante de História.
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