Quando iniciei a pesquisa para escrever o texto, fiquei me questionando sobre o que falar. Queria um tema que fosse de interesse dos estudantes que têm acesso a coluna e ao mesmo tempo alguma coisa que mostrasse como a Ditadura Militar esteve muito perto da nossa vida cotidiana. Foi então que comecei a pesquisar sobre os efeitos causados na nossa UnB durante os anos da Ditadura Civil Militar, e me deparei com o trabalho de conclusão de curso de uma aluna chamada Beatriz Silva Freitas da UFG intitulado SILÊNCIO E CENSURA: a biblioteca da Universidade de Brasília nos anos de chumbo da ditadura militar. É indiscutível que a BCE (Biblioteca Central da Universidade de Brasília) tem um papel realmente central na formação de todos os estudantes universitários. Sendo assim, espero que todos aproveitem a leitura do texto.
Relação do Governo Militar com a Educação e as Bibliotecas
Com a tomada do poder pelos militares, o país passou por diversas reformulações políticas, dentre elas, a educação do ensino básico ao superior. Foram firmados acordos e mudanças curriculares que causaram grandes marcas no sistema educacional brasileiro, na tentativa de forçar uma educação brasileira aos moldes do governo norte americano. Juntamente com a Educação, o Movimento estudantil – que foi fortemente reprimido - representa, em seus princípios políticos, a liberdade de expressão, indo na contramão do Estado autoritário e, portanto, uma oposição. Assim, a maneira pela qual os governos militares combateram a oposição foi a partir da violência, medo, coerção, disseminação de histórias fantasiosas, maneira essa que ameaçou diretamente o desenvolvimento de uma educação crítica e da liberdade de informação promovidas pelas bibliotecas públicas.
Dessa maneira, foram criadas instituições que controlassem as publicações nacionais como o Instituto Nacional do Livro (INL). Aquilo que fosse favorável ao governo e promovesse a ideologia do desenvolvimento econômico passava no filtro autoritário; caso contrário, era censurado. O livro, que representa um instrumento de autonomia do conhecimento, foi utilizado como arma de manipulação. Nas bibliotecas públicas, livros foram escondidos, proibidos, incinerados, a leitura era vigiada. Os bibliotecários não podiam exercer sua função de compor o acervo e os investimentos no mesmo eram meticulosamente analisados por censores do governo.
A Ditadura e a BCE
Primeiro, uma curiosidade histórica: A Biblioteca Central da Universidade de Brasília, fundada em 1962, tem esse nome devido ao um conceito de sua criação de centralizar o acervo – até então inédito no país – diferentemente da tradição das bibliotecas universitárias, que tinham várias bibliotecas em suas unidades de ensino. Esse modelo gerava problemas de duplicação de acervo, processos técnicos e administrativos.
(Início das obras do prédio definitivo – 1970)
Para a realização de sua pesquisa citada anteriormente (Silêncio e Censura), Beatriz Silva Freitas, coletou dados via e-mail com três bibliotecários e docentes da UnB que atuaram durante o golpe de 64 e os anos da ditadura. Dentre os dados coletados sobre censura, acervo e atuação dos bibliotecários, o trabalho se propõe também registrar as memórias desses profissionais sobre a BCE durante a ditadura militar, tendo em vista que desenvolviam serviços na ciência da informação, educação e cultura.
Os entrevistados relataram as mudanças que a Biblioteca da UnB sofreu no governo autoritário, entre essas: “alterações de liberdade do fazer profissional, tanto com a presença de censores do governo no espaço, quanto com proibições de aquisições de obras específicas para o acervo, igualmente censura de autores, sobretudo de visões políticas de esquerda, como Marx e Guevara, mutilando assim o fazer profissional do bibliotecário.” Além da clara perseguição política, a censura atingia até mesmo livros que apenas utilizavam de recursos narrativos para suas histórias. “Os soldados interditaram a biblioteca à procura de textos subversivos. Entre os livros retidos constavam O Vermelho e o negro, de Stendhal, e O círculo Vermelho, de Conan Doyle.”
Um fato que vale ser ressaltado é que, de acordo com os entrevistados, grande parte das intervenções que ocorriam na biblioteca universitária eram feitas de maneira informal. Sendo assim, não existiam documentos que autorizavam ou regulamentavam as proibições causadas pela censura política ou qualquer manifestação que ameaçasse a “boa moral”. Um dos entrevistados da UnB, revela que os bibliotecários agiam com bastante cautela para não arranjar problemas pelo o que se percebia por conversas informais, gerando segundo ele uma “censura preventiva”.
(Registro da BCE em 1979)
Os militares tinham ações peculiares nos ambientes educacionais. Por um lado, eventualmente se faziam fortes investimentos nas intuições de ensino: no caso da UnB os entrevistados revelaram que após a contratação do professor Abner Vicentini, a BCE recebeu recursos para montar o acervo. Por outro, também se podia notar duros cortes em outros setores e uma conduta de intensa monitoração para que os feitos fossem em benefício do governo e de suas ambições de controlar a educação.
Portanto, assume-se que as bibliotecas públicas têm um papel fundamental na formação educacional e da autonomia do conhecimento, em especial, as bibliotecas universitárias que integram ensino, pesquisa e extensão. E por essa razão, necessitam de liberdade e autorregulação para alimentar e gerir o acervo, para os profissionais da informação desenvolverem seu trabalho e para os usuários terem livre acesso à informação. O texto teve o intuito de demonstrar como essas atividades eram duramente mediadas durante a ditadura militar no Brasil na BCE, ameaçando a autonomia universitária, o desenvolvimento de uma educação crítica e a livre busca pelo conhecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREITAS, Beatriz Silva. Silêncio e censura: a biblioteca da Universidade de Brasília nos anos de chumbo da ditadura militar. 60 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Faculdade de Informação e Comunicação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2016.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o Regime Militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
UNIVERSIDADE de Brasília. Biblioteca Central. Disponível em: <http://www.bce.unb.br/sobre-a-bce/>. Acesso em: 20 de março de 2022.
UNIVERSIDADE de Brasília. A história da BCE. Disponível em: <https://bce.unb.br/sobre-a-bce/historia-da-bce/>
Escrito por Thainá de Almeida, estudante de História.
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