Sabemos que, durante a ditadura, 5 ditadores ocuparam o cargo de presidente da república. Mas, se não havia eleição, como se dava a escolha do ditador seguinte?
Antes de responder essa pergunta, é preciso fazer uma recapitulação de como foi instituído o golpe militar. Em um panorama geral, é importante enfatizar de início que de maneira alguma as eleições eram democráticas. Nem de longe a forma de escolha dos presidentes envolvia características de uma democracia como hoje se conhece.
Em todos os casos, o regime usava do Congresso Nacional ou do Colégio Eleitoral - completamente garroteados - para fazer parecer que havia eleição e participação política. Por baixo dos panos, o regime moldava as leis e regulamentos eleitorais à seu favor para garantir sua continuidade no poder de forma tranquila.
Em geral, podemos adiantar que os líderes da ditadura militar brasileira tinham extensa experiência militarista, anteriormente à ditadura, e participaram em alguma movimentação incial do golpe, ou tinham conexão com pessoas importantes do regime. As forças armadas preocupavam-se em transparecer um clima de estabilidade e legitimidade, mas, hoje, sabemos que as transições de presidente poderiam ser conturbadas e eram completamente ilegítimas, como se verá adiante.
Humberto de Alencar Castelo Branco
O primeiro líder da ditadura militar brasileira foi Castelo Branco. Ele já havia ocupado inúmeros cargos dentro da carreira militar e tinha ampla experiência dentro das forças armadas, tendo inclusive servido à FEB durante a 2ª Guerra Mundial.
Já havia, inclusive, participado de algumas ações contra Jango. Durante os primeiros momentos do golpe, Castelo Branco tem uma participação marcante:
Em fins de fevereiro e início de março foi constituído um “estado-maior informal”, formado pelos generais Castelo Branco, Ernesto Geisel, Ademar de Queirós e Golberi do Couto e Silva, com a finalidade de consolidar inicialmente uma rede de militares favoráveis à conspiração em todo o país, e, numa etapa posterior, coordenar a ação militar para depor Goulart. (HUMBERTO, c2009)
Recapitulando os acontecimentos do golpe, após meses de tensão política no país, o mês de março de 1964 foi especialmente marcante.
Em 13 de março de 1964, Jango fez um Comício no Rio de Janeiro, anunciando a nacionalização de refinarias de petróleo e a proposta de reforma agrária. Os setores conservadores brasileiros ficaram extremamente descontentes. Entre eles, o setor militar.
Duas semanas depois, houve uma Revolta de parte da Marinha Brasileira que clamava por melhores condições de trabalho e apoiava as reformas propostas por Jango. O então presidente optou por não punir os participantes da revolta. É nesse contexto que Olympio Mourão, em 31 de março, convoca tropas militares para irem em direção a Jango, para depô-lo. Assim, foi instituído o golpe. Nessa ocasião, Castelo Branco permaneceu inerte e, dias depois, aceitou a indicação à presidência.
Em 2 de abril de 64, o Congresso declara vago o cargo de presidente. Nesse momento, o então presidente da Câmara dos Deputados, dep. Ranieri Mazzilli, assume o cargo. No entanto, mesmo nesse período, os militares já detiam o poder de fato: formou-se uma junta militar, composta “pelos ministros militares, general Artur da Costa e Silva, da Guerra, almirante Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha, e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, da Aeronáutica.” (CPDOC, c2009a).
Essa junta, autoproclamada “Comando Supremo da Revolução”, outorga em 9 de abril de 1964 o AI-1, definindo que:
Art. 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos terminarão em trinta e um (31) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de dois (2) dias, a contar deste Ato, em sessão pública e votação nominal. (BRASIL, 1964)
Ou seja, as eleições seriam realizadas de maneira indireta. O Congresso poderia escolher entre 3 possibilidades indicadas: Juarez Távora, Eurico Gaspar Dutra e Castelo Branco, tendo sido este último eleito quase de forma unânime dentro do congresso - já que não havia outra opção, diga-se de passagem.
Importante notar que, ao contrário do que o AI-1 definiu, Castelo Branco ficou no poder até o início do ano de 1967, quando Arthur da Costa e Silva toma posse.
Arthur da Costa e Silva
Costa e Silva não era uma nova figura dentro da ditadura militar brasileira: fazia parte do Comando Supremo da Revolução desde o momento de sua instituição e foi Ministro da Guerra de Castelo Branco.
Costa e Silva, durante o ano de 1964, chegou a negar sua candidatura:
Fonte: Jornal Correio da Manhã. ¹
Meses após a reportagem acima, ele insinuou na televisão a possibilidade de sua candidatura:
Fonte: Jornal Correio da Manhã.²
Costa e Silva elaborou uma espécie de “campanha presidencial”. Esse é um ponto interessante e já foi objeto de algumas pesquisas que tentaram explicar a motivação para essa campanha em meio a um contexto em que as cartas já estavam dadas e não havia necessidade prática de angariar eleitorado - já que não havia eleição direta e as eleições indiretas eram de fachada.
Mesmo levando em consideração as peculiaridades do processo sucessório de 1966, a eleição do Presidente Costa e Silva contou com ações eleitorais. A campanha aconteceu, o candidato falou aos diferentes públicos que considerava essenciais para o seu sucesso, seja ele eleitoral ou durante os anos de governo. E aqui nos deparamos com o primeiro ponto que deve ser observado. Uma campanha eleitoral não se destina apenas a garantir votação ao candidato, mas sim a conseguir sua aproximação com o público, preparando o terreno para que o governo seja exercido com certa tranqüilidade (CALDAS, 2010, p. 22)
Tudo indica que essa campanha eleitoral foi feita para que ele pudesse governar com tranquilidade e para manter a faceta de legitimidade da ditadura. Sua candidatura não era apoiada por seu predecessor, Castelo Branco. Ainda sim, Costa e Silva foi eleito em 3 de outubro de 1966 e iniciou seu mandato em 1967.
Já nesse momento, 136 deputados da oposição decidiram boicotar sua eleição: “Não participaram da votação 136 deputados do MDB, que se retiraram do plenário” (MEMORIAL DA DITADURA, c2017a)
Emílio Garrastazu Médici
Médici, como todos os outros ditadores, também não era um novo rosto no regime ditatorial brasileiro. Ele tinha proximidade com Costa e Silva e foi por ele nomeado Chefe do Serviço Nacional de Investigação, um órgão responsável pelo monitoramento de informações e pessoas de interesse do regime.
Ao final do governo Costa e Silva, o então presidente adoeceu. Esse fato colaborou para o aumento do clima de tensão política existente. Começaram, então, as especulações de possíveis sucessores. Durante um breve período, as funções presidenciais foram exercidas pela Junta Governativa Provisória, composta por: Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica (respectivamente, Augusto Hamann Rademaker Grünewald, Aurélio de Lira Tavares, e Márcio de Sousa e Melo). (BRASIL, 1969)
O alto comando do Exército apresentou à junta uma lista tríplice com possíveis nomes: Antônio Carlos Murici, Orlando Geisel e Médici, o escolhido.
Em 6 de outubro de 1969, Médici concorda em assumir o cargo. (CPDOC, c2009c).
No entanto, as questões formais ainda teriam que ser levadas a cabo. Um ponto importante nesse momento é que o Congresso tinha sido posto em recesso, desde o AI-5. Por isso, foram editados: (i) o AI-16, para declarar vagos os cargos de presidente e vice e estabelecer o dia da eleição e (ii) o “Ato Complementar nº 73, convocando o Congresso para proceder às eleições presidenciais”(CPDOC, c2009c). Médici foi eleito em 25 de outubro de 1969, novamente com boicote de alguns representantes do MDB.
Ernesto Geisel
Novamente, Geisel não era estranho à ditadura. Ele foi chefe do Gabinete Militar de Castelo Branco. Além disso, seu irmão, Orlando Geisel, foi ministro do exército do governo Médici.
Para compreender o processo de eleição de Geisel, é importante relembrar que durante o governo Médici foi outorgada a Emenda n. 1 à Constituição de 1967. Ela manteve a eleição indireta para presidente, mas definiu que isso seria feito por meio do “colégio eleitoral”, “composto dos membros do Congresso Nacional e de delegados das Assembléias Legislativas dos Estados” (BRASIL, 1969b). É evidente que o colégio era organizado para beneficiar os apoiadores do governo.
Outro ponto importante que a emenda trouxe foi a disciplina ou fidelidade partidária. Ficou instituído que:
Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas e nas Câmara Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. (BRASIL, 1969b)
Na prática, “os representantes do partido eram obrigados a votar no candidato oficial sob pena de perderem o mandato”. (MEMORIAL DA DITADURA, c2017b)
Ulysses Guimarães também participou dessa eleição, como representante do MDB, mas, dado todo o contexto, não conseguiu angariar votos o suficiente. Ainda sim, esse foi um momento importante para a abertura do regime ditatorial e para veementes denúncias do processo irregular e injusto de eleição instituído pelos militares.
Apesar de o governo já reconhecer a retomada da democracia (com a conhecida frase “lenta gradual e estável”), os militares ainda tentavam estabelecer atos institucionais e outros normativos que garantissem sua perpetuação no processo eleitoral e a sobrevida do regime.
Joao Batista De Oliveira Figueiredo
Figueiredo foi chefe da agência do SNI no Rio de Janeiro, convidado por Médici para assumir a chefia do Estado-Maior e, ainda, nomeado por Geisel para a chefia do SNI.
Durante o mandato anterior,
Geisel afirmou repetidamente que só trataria do problema sucessório a partir de janeiro de 1978. Apesar disso, consolidou-se desde muito antes nos meios políticos a convicção de que seu substituto seria o chefe do SNI, chegando a circular a versão de que essa escolha era fruto de acordo feito antes mesmo da posse de Geisel. De qualquer forma, a vivência de oito anos na atividade diária do palácio do Planalto, o contato permanente com dois chefes de governo e o exercício de atribuições intimamente relacionadas com a segurança do regime foram fatores decisivos para o fortalecimento do nome de Figueiredo (CPDOC, c2017d).
Apesar de haver resistências no setor militar quanto à indicação de Figueiredo, Geisel consegue levar o nome pra frente e garantiu a candidatura em 29 de novembro de 1974. Durante a sua eleição, o MDB lançou um candidato da oposição, Euler Bentes Monteiro. Ainda por conta da fidelidade partidária, a campanha de Euler não vingou.
Panorama Geral
Olhando para os presidentes escolhidos, vemos que todos tinham alguma conexão anterior com o regime militar. A escolha dos nomes era sempre guiada pela tentativa de manter a imagem de estabilidade do governo. “A verdade é que a escolha do chefe do executivo estava nas mãos dos próprios militares. Ninguém poderia ser ungido pelos políticos sem a benção das forças armadas. O detalhe estava em saber quem seria este escolhido.” (CALDAS, 2010)
Seu processo eleitoral tentava também manter a imagem de um regime aberto e com participação política, fato que hoje sabemos ser mentira, sem sombra de dúvidas. Esse texto buscou reforçar seus nomes, para que jamais os esqueçamos.
Referências:
BRASIL. Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964.Dispõe sobre a manutenção da Constituição Federal de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as modificações introduzidas pelo Poder Constituinte originário da revolução Vitoriosa. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64.htm. Acesso em: 08 de jul de 2022.
BRASIL. Ato Institucional nº 12, de 1 de setembro de 1969. 1969a Dispõe sobre o exercício temporário das fundações de Presidente da República pelos Ministros da Marinha, do Exercito e da Aeronáutica, enquanto durar o impediment, por motivo de saúde, do Marechal Arthur da Costa e Silva, e dá outras providênicas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-12-69.htm. Acesso em: 08 de jul de 2022.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. 1969b. Edita o novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm. Acesso em: 08 de jul. de 2022.
CALDAS, Fabio Ciaccia Rodrigues. CAMPANHA PRESIDENCIAL DE ARTHUR DA COSTA E SILVA: A festa da democracia autoritária. 2010. 47 f. Dissertação (Mestrado em Processo Comunicacionais) - Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: http://tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/923/1/Fabio%20Ciaccia%20Rodrigues%20Caldas.pdf. Acesso em: 08 de jul. de 2022.
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA - CPDOC. Fgv. Juntas militares. c2009a. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/juntas-militares. Acesso em: 08 jul. 2022.
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA. Fgv. Humberto de Alencar Castelo Branco. c2009b. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/humberto-de-alencar-castelo-branco. Acesso em: 08 jul. 2022.
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA. Fgv. Emilio Garrastazzu Medici. c2009c. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/medici-emilio-garrastazzu. Acesso em: 08 jul. 2022.
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA. Fgv. João Batista De Oliveira Figueiredo. c2009d. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/medici-emilio-garrastazzu. Acesso em: 08 jul. 2022.
MEMORIAL DA DEMOCRACIA. Instituto Lula. 1966. 3 DE OUTUBRO. COSTA E SILVA É ELEITO PRESIDENTE. c2017a. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/costa-e-silva-e-eleito-presidente#. Acesso em: 08 jul. 2022.
MEMORIAL DA DEMOCRACIA. Instituto Lula. 1974. 15 DE JANEIRO. GENERAL PRESIDENTE RECEBE 400 VOTOS. c2017b. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/general-presidente-recebe-400-votos. Acesso em: 08 jul. 2022.
Notas:
¹: Descrição da foto: Jornal Correio da Manhã, RJ, 16 de dezembro de 1964.
Título: Duro e mole.
Texto: O ministro da Guerra, general Costa e Silva, conversando com jornalistas na Assembléia Legislativa, desmentiu a notícia de que seria candidato à presidência da República, dizendo que qualquer informação nesse sentido é uma “simples piada”.
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=74521&url=http://memoria.bn.br/docreader#
²: Descrição da foto: Jornal Correio da Manhã, RJ, 4 de janeiro de 1966.
Título: Lançamento de Costa e Silva abre nova crise.
Texto:A candidatura do general Arthur da Costa e Silva à Presidência da República, por ele próprio admitida em declarações feitas através da televisão, vai transferir dos bastidores para o campo aberto das competições, a luta que se tinha travado no estilo das preliminares.
O próprio titular da Pasta da Guerra, ao confirmar publicamente sua intenção de postular a investidura, assumiu todos os riscos inerentes a essa decisão, sobretudo em face de o poder estar sendo exercido nos termos excepcionais que guindou o marechal Castelo Branco à Presidência da República.
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=74521&url=http://memoria.bn.br/docreader#
Escrito por Daniela Rocha, estudante de Direito.
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