Claudio Tozzi é um artista paulistano que começou a atuar na cena artística brasileira durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), sua visão política esquerdista, abordada em suas peças, pode ser observada desde que entrou na FAU (1963), quando começou seu engajamento no movimento estudantil. Atualmente as obras do autor estão sendo revisitadas, visto que existe uma tendência acadêmica no país acerca da revisão e do estudo desse período não mais distante da realidade do brasileiro.
Figura 1
Ao revisitar suas obras e as histórias das mesmas, destaca-se para o tema desta produção a obra “Guevara, Vivo ou Morto…”(fig.1), tanto pela repressão sofrida pela obra, quanto pelas características físicas e estilísticas da mesma e pela repercussão da mesma na carreira do artista. A primeira vez que a obra foi exposta foi durante o mês de dezembro de 1967, no IV Salão de Arte Moderna do Distrito Federal, realizado no Teatro Nacional em Brasília.
Mesmo antes da promulgação do AI-5 (1968), a obra de Tozzi foi, em conjunto com os trabalhos de José Roberto Aguilar e Rubens Gerchman, atacada durante uma tentativa de agentes do governo de retirar à força a obra do salão. Durante o ataque, algumas ripas foram tiradas do lugar e as duas imagens da face de Guevara e parte da expressão “Vivo ou” foram perfuradas com golpes que se assemelham a tiros. Contudo, os jornais da época não noticiaram o ato de censura às obras.
Além disso, em 1968 -meses antes da promulgação do Ato Institucional 5- o artista participou de dois importantes salões. Foi realizado, no “Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires” o “Premio Codex de Pintura Latinoamericana”, em que Tozzi submete uma versão de “Guevara, vivo ou morto…” que consistia em três trabalhos separados que eram, cada um, um elemento da obra. E, durante o 17o Salão Paulista de Arte Moderna, o painel apresentado pelo artista esteve envolvido em caso de autocensura, pois uma parte do júri, apesar do resultado da votação ser a favor de Tozzi, não aceitou premiá-lo em 1o lugar com o prêmio da época.
Depois das duas situações citadas, evidenciasse a popularidade adquirida pelo artista nessa época, tal popularidade foi utilizada pelo artista como forma de divulgar tanto seu trabalho quanto homenagear “Che” Guevara, em conjunto com a mensagem da necessidade da luta revolucionária e armada a partir da guerrilha contra a ditadura no Brasil. Tozzi, como tantos outros artistas de sua época, deixou claro sua opinião contrária ao governo, e decidiu utilizar a arte e a fotografia como instrumento de oposição e de engajamento de pessoas com ideias semelhantes às dele.
O apreço de Claudio Tozzi pelo uso da fotografia alto contrastada como fonte em seus trabalhos dos anos 1960 pode ser compreendida em relação com a cultura visual urbana, dos meios de comunicação de massa, do design gráfico brasileiro do período. (MEDEIROS, 2017, p.51)
A partir da citação acima, na obra “Guevara, vivo ou morto…”(fig.1) observa-se que o autor utiliza de diversas linguagens artísticas, exemplo disso é quando o artista recorta da fotografia de Joseph Scherschel apenas o rosto de Guevara e se apropriar da imagem dele. A imagem remete a uma máscara, permitindo assim um processo de auto identificação com o personagem Guevara e sua história a partir do imaginário popular.
A personalidade de Guevara e sua morte foi parte formadora essencial da construção dos movimentos de esquerda e de guerrilha contra a ditadura. Por ser um personagem emblemático, a utilização de sua imagem no painel pode ser analisada enquanto um retrato do grupo que se engajaram na luta armada, e até um possível auto retrato de Tozzi e seus ideais.
O memorial do artista paulistano Claudio Tozzi ao revolucionário argentino Ernesto ‘Che’ Guevara foi marcado por trabalho de luto, engajamento político e investigação sobre a estrutura do signo. (MEDEIROS, 2017, p.62)
Como visto na citação acima e a partir da transformação da forma ou mancha em signo, mas não limitando o trabalho apenas a isso, o artista expõe fotografias ao procedimento de alto contraste, que acentua os contrastes e permite o desenho dessa imagem sobre papel vegetal. O artista produziu uma pintura por meio da estratificação de reprodução mecânica e o auxílio de um episcópio, em conjunto com trabalho manual, que consiste em decalque e depois desenho seguido de pintura sobre o painel.
A composição do painel proposta por Tozzi é formada por dois retratos do revolucionário latino-americano, e em seus lados existem duas outras imagens também duplicadas, “Luta” e “Fome”. O uso da fotografia alto contrastada é uma das principais fontes em seus trabalhos dos anos 1960, essa influência pode ser compreendida devido à relação com a cultura visual urbana, a Pop Art, a influência dos meios de comunicação de massa, e do design gráfico brasileiro do período e suas ligações com a Bauhaus.
Uma das principais contribuições da arte pop, sem dúvida, foi a dessacralização do motivo ou tema artístico, principalmente na pintura, que era considerada a linguagem mais desenvolvida às vésperas da eclosão da pop nos Estados Unidos. (MEDEIROS, 2017, p.52)
Essa dessacralização abordada na citação acima é vista na obra do autor a partir do momento em que ele junta o uso de manchas à fotografia, ou seja, o trabalho de Tozzi tende à abstração e é figurativo. Dessa forma as fotografias se tornam fontes da imagem pictórica, evidenciando uma parte da arte que liga o abstrato ao figurativo. Já acerca da utilização de texto em seu trabalho, é possível compreender a intenção de reforçar o conteúdo semântico da imagem, ou até explicar ao espectador a história da obra, o uso de palavras se assemelha ao de Maurício Nogueira Lima e aos HQ 's.
Por fim, a peça ficou desaparecida por um tempo, como tantos outros trabalhos considerados polêmicos – aqui existe uma semelhança com os crimes de sequestro executados pelo regime militar –, mais tarde, por meio da Secretaria de Estado da Cultura, a obra retorna ao ateliê de Tozzi. O artista, então, promove o restauro da obra, extrai as partes danificadas e as refaz, mantém o que estiver em bom estado, adiciona os elementos refeitos e repinta tudo.
Durante a sua carreira, mas principalmente no período ditatorial, o artista promove peças relacionadas à luta social. Sua ligação clara com a Pop Art e com a arte de denúncia pode ser observada até o fim do século passado. Mas desde o começo de sua produção, suas peças que não promovem discursos de denúncias sociais têm características geométricas, com foco no estudo da cor e do espaço.
Referências bibliográficas:
GUEVARA, Vivo ou Morto. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra5078/guevara-vivo-ou-morto. Acesso em: 14 de setembro de 2021. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
BRASIL, presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, Ato Institucional 1, 1964. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64.htm
Acesso em: 30 de setembro de 2021.
BRASIL, presidente Arthur da Costa e Silva, Ato Institucional 5, 1968. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm
Acesso em: 30 de setembro de 2021.
DE MEDEIROS, Alexandre Pedro. As censuras contra Guevara, vivo ou morto... de Claudio Tozzi. Palíndromo, v.9, n.19, p.43-66, setembro-dezembro 2017.
Vitoria Campos Araújo, estudante de Teoria, crítica e história da arte
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