Assassinado pelas forças de segurança da ditadura militar, Carlos Lamarca pereceu na história como uma figura fundamental da resistência de esquerda ao regime autoritário de 1964 e é uma referência política absoluta por ter dedicado sua vida breve à ação prática contra o sanguinário Estado militar brasileiro. Nascido no Rio de Janeiro, então capital federal, em 23 de outubro de 1937, filho de um carpinteiro e de uma dona de casa, Lamarca trilhou uma jornada distinta dos precedentes familiares e se tornou militar. Próximo dos seus 18 anos, em 1955, ingressa na Escola Militar de Cadetes, em Porto Alegre, e dá início à sua carreira junto às forças armadas. Transitou no estado do Rio de Janeiro, em Resende, onde se formou como aspirante a oficial e eventualmente foi designado para o 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna em Osasco, São Paulo. Lamarca, já na condição de segundo-tenente, foi convocado, em 1962, para servir no Batalhão de Suez na região de Gaza em virtude dos conflitos egípcio-israelenses no local, em missão de paz das Nações Unidas. Dentro do ambiente militar, conduziu sua vida para a militância política e defesa da democracia, de forma curiosa e até esquisita, observando sua vida sob uma ótica contemporânea, isto é, mais próxima da realidade política do Brasil atual.
As biografias sobre sua vida ilustram um sujeito virtuoso e com tato para as atividades militares. É de público saber que Lamarca era um atirador preciso e habilidoso. Por outro lado, era um sujeito engajado politicamente e consciente a respeito do país em que vivia. Lamarca, na contramão do que parece ser natural nas forças armadas, consumia bastante literatura marxista em sua juventude e disseminava, por meio de panfletos e conversação, as ideias importadas do socialismo soviético. As leituras de Lamarca em sua intimidade são, certamente, um aspecto importante para pensar sua vida e seu legado enquanto guerrilheiro. O sutil movimento de disseminação do pensamento é a prática necessária que viabilizou a organização política de resistência à força do regime. Por essa razão, Carlos Lamarca foi capaz de germinar uma mobilização política improvável, dentro de um ambiente largamente conservador, e fundamental para o Estado brasileiro.
A partir de 1968, o militar começou a dar mais materialidade a sua militância política. Fez contato com Carlos Marighella, então integrante da Ação Libertadora Nacional e se aproximou, também, da Vanguarda Popular Revolucionária. Dessa maneira, a rede de organização política prática contra a ditadura militar ganhava mais capilaridade, embora os diversos grupos de resistência ainda fossem miúdos e incomparavelmente mais fracos que o Estado brasileiro apoiado pelos norte-americanos. Em dezembro de 1968, com a promulgação do Ato Institucional nº 5, a situação de guerra urbana e rural contra militantes políticos se agravou. Lamarca, em consonância, fugiu do 4º Regimento de Infantaria no mês seguinte e se tornou inimigo declarado do Estado. Na fuga, levou consigo dezenas de fuzis e metralhadoras a fim de estruturar a ação de guerrilha. Lamarca e alguns camaradas que participaram da fuga se juntaram à VPR, a fim de melhor organizar a luta armada contra a segurança do Estado. Entre 1969 e 1971, Carlos Lamarca esteve presente em diversos cenários da luta de guerrilha. No dia 9 de maio participou de sua primeira ação armada na VPR, um assalto simultâneo na rua Piratininga, em São Paulo, às agências do Banco Mercantil de São Paulo e do Banco Itaú. No dia 18 de julho participou do roubo do cofre pertencente ao ex-governador paulista Ademar de Barros. Essas ações tinham como objetivo, sobretudo, subsidiar os coletivos revolucionários, uma vez que, em plena ditadura, jamais conseguiriam recursos financeiros para investimento militar.
Durante o ano de 1969, a figura proeminente de Carlos Lamarca se tornou uma liderança dentro do coletivo. Lamarca comandou a instalação de um campo de treinamento para a ação de guerrilha no Vale do Ribeira, em São Paulo. O campo foi, contudo, destituído em maio de 1970 pelas forças de segurança do regime. No fim do mesmo ano, Lamarca participou do sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, no Rio de Janeiro. Após as negociações com o governo militar, os revolucionários conseguiram o asilo de 70 presos políticos no Chile em troca da vida do embaixador, em janeiro de 1971. No mês de maio, Lamarca se juntou ao Movimento Revolucionário 8 de outubro, em busca de novas perspectivas de guerrilha voltadas para um trabalho de base popular e para a guerrilha rural. Nesse sentido, Lamarca fugiu para o sertão baiano provavelmente no inverno de 1971. As investigações sobre seu paradeiro apontavam para a região de Brotas de Macaúbas, a mais ou menos 600 km de Salvador. Batizada de “Operação Pajussara”, a investigação das forças militares orientou os policiais para o pequeno município de Ipupiara. Lá, nas proximidades, a patrulha localizou Carlos Lamarca e o companheiro José Campos Barreto, de codinome Jessé. Foram assassinados no dia 17 de setembro de 1971. Perícias posteriores comprovam a execução dos guerrilheiros.
Carlos Lamarca se tornou um ícone verdadeiro da resistência política brasileira. Ainda que os movimentos de guerrilha tenham sido pouco vitoriosos, foram substanciais para modificar tendências políticas durante a história da ditadura. Os brasileiros que entregaram a vida pela democracia não lutaram em vão. Se mobilizaram porque era necessário, embora fosse uma missão quase suicida. Carlos Lamarca morreu como inimigo dos piores inimigos do povo brasileiro. Dedicou sua vida à libertação dos oprimidos do nosso país e lutou pela causa operária e socialista em um espaço muito perigoso, porém basilar, como é a esfera militar.
Rollenberg, Denise. Carlos Marighella e Carlos Lamarca: memórias de dois revolucionários. Departamento de História/UFF. 2007.
CPDOC, FGV. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Lamarca, Carlos. Verbete.
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Escrito por Cláudio Águeda, Estudante de História.
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