Desde seu surgimento na Revolução Industrial, a fotografia é uma ferramenta vastamente utilizada e de grande importância, que pode tanto registrar momentos históricos e culturais quanto desenvolver artes que são únicas pelo mundo.
A descoberta da fotografia propiciaria, por outra parte, a inusitada possibilidade de autoconhecimento e recordação, de criação artística (e, portanto, de ampliação dos horizontes da arte), de documentação e denúncia graças à sua natureza testemunhal (melhor dizendo, sua condição técnica de registro preciso do aparente e das aparências ). Justamente em função deste último aspecto, ela se constituiria em arma temível, passível de toda sorte de manipulações, na medida em que os receptores nela viam, apenas, a “expressão da verdade”, posto que resultante da “imparcialidade” da objetiva fotografia. A história, contudo, ganhava um novo documento: uma verdadeira revolução estava a caminho (KOSSOY, 2012, p.29).
Atualmente, existem diversos tipos de programas que possibilitam editar uma imagem. Contudo, esses programas não são a única forma de se conseguir uma determinada fotografia: montar o cenário da foto e reajustar um ângulo para que uma ação se torne outra são dois exemplos. Durante o período da ditadura militar no Brasil, isso não foi diferente. A fotografia foi utilizada pelos militares como uma arma para manipular a mídia e esconder fatos.
Um dos exemplos desta manipulação durante o período do regime foi a fotografia distribuída de Herzog. Em 1975, Vladimir Herzog se apresentou voluntariamente para depor às autoridades militares no DOI-Codi, órgão subordinado ao exército e criado para combater supostos inimigos internos, que ameaçariam a segurança nacional. Herzorg foi interrogado, torturado e morto dentro das dependências desse órgão.
Sua ida à polícia naquele dia era do conhecimento da família e de outros diretores da emissora. Sua estada no DOI-Codi foi testemunhada pelos também jornalistas George Duque Estrada, Rodolfo Konder e Paulo Markun. Eles estavam presos e ouviram os interrogadores de Herzog pedirem a máquina de choques. O jornalista chegara ao departamento na manhã daquele sábado e no começo da tarde já estava morto. Os militares não tinham como esconder a morte e criaram a versão de suicídio por enforcamento. Herzog teria usado o cinto de pano do macacão de preso segundo a polícia. Uma fotografia grotesca foi distribuída à imprensa: mostrava o corpo do jornalista, de joelhos dobrados, com a cabeça pendida para a direita e o pescoço atado por uma tira de pano à grade da cela. A distância do chão até a grade era de 1,63m. O macacão dos presos não tinha cinto. Era uma cena claramente montada. A farsa do suicídio foi oficializada em autópsia do legista Harry Shibata. Somente em 2003, a viúva Clarice Herzog receberia o atestado com as causas reais da morte: “lesões e maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do 2° Exército” (ZYGBAND, 2021).
Fonte: Sinvaldo Leung. Imagem distribuída do suposto suicídio de Herzog.
Embora a tentativa de encobrir seu assassinato não tenha sido bem sucedida, ela acabou por demonstrar o poder de manipulação que o regime militar tinha nas mãos, dando início a uma série de tensões dentro do governo e de manifestações contra a ditadura.
O caso de Herzog foi apenas um exemplo dos horrores que os militares conseguiam encobrir através de seu controle sobre os meios de comunicação e a imagem. Contudo, a fotografia também seria usada como forma de resistência em regimes ditatoriais, como foi durante a ditadura militar no Brasil, expondo situações de violência e registrando momentos de resistência. Um dos trabalhos destacados, como exemplo de denúncia ao sistema, é o do fotógrafo Evandro Teixeira.
Evandro Teixeira aprendeu a fotografar através de um curso por correspondência com José Medeiros, pela revista A Cigarra, e ele iniciou sua carreira como fotógrafo através de um estágio no Diário da Noite, um jornal carioca. Teixeira foi também o único fotógrafo brasileiro a registrar o golpe militar no Chile, antes de voltar para o Brasil um tempo depois.
Ele foi o único a fotografar o golpe nos bastidores. É dele a fotografia que praticamente simbolizou e condenou o golpe militar, tirada no interior do Forte de Copacabana, na noite do golpe. A imagem, segundo Oswaldo Munteal e Larissa Grandi no livro “A imprensa na história do Brasil: fotojornalismo no século XX”: “imortalizou o fato, em um momento de luz e sombras, um marco na imprensa e na história do Brasil” (BONI, 2012, p.218).
Fonte: Evandro Teixeira. Único civil no Forte de Copacabana na madrugada do dia 1º de abril de 1964.
As fotografias de Evandro Teixeira documentaram diversos episódios da ditadura, entre eles, por exemplo, o cortejo fúnebre do estudante Edson Luís, estudante morto durante um confronto com a polícia militar em 1968 e que a morte marcou o início de intensas mobilizações contra o regime militar. Essas fotos se tornaram a forma que Teixeira lutou contra a ditadura, de expor seus horrores, e, que se tornam, também, um registro importante para as gerações futuras.
Fonte: Evandro Teixeira. Cortejo do estudante Edson Luis.
A minha função era lutar com a arma que eu dispunha, ou seja, uma câmera fotográfica. E foi o que fiz: usei minha câmera fotográfica para lutar contra a ditadura militar, pelo menos eu tive a coragem de documentar e mostrar a realidade daquele momento político do Brasil (TEIXEIRA, 2012, p.237).
A sociedade se apoia no uso do visual, e a imagem, ou, como nos referimos aqui, a foto, tem o poder de instigar aquele que observa a acreditar no que está vendo. Com os exemplos aqui expostos, é possível notar a natureza dupla da fotografia durante o período da ditadura: ela se torna uma arma para ambos os lados e suas utilidades variam indo desde a manipulação até o auxílio à resistência.
Referências Bibliográficas:
ÁVILA, J. S. Fotojornalismo no brasil em 1968: a ditadura e o povo no olhar de Evandro Teixeira. Discursos Fotográficos, Londrina v.16 n.12, jan/jun. 2020. p.12-37.
BONI, P.C. Entrevista: Evandro Teixeira. Discursos Fotográficos, Londrina v.8, n.12, jan/jun. 2012. p.217-252.
KOSSOY, Boris, 1941- Fotografia & História - 4. ed. - São Paulo: Ateliê Editorial, 2012.
https://construirresistencia.com.br/assassinato-de-vladimir-herzog-o-comeco-do-fim-da-ditadura/ Acesso em: 01 de abril de 2022 ás 23:02.
Escrito por Amelly Gabrielly, estudante de Artes Visuais.
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