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Foto do escritorMemória e Ditadura nas escolas do DF

A busca pelo fim das favelas

Atualizado: 21 de mar. de 2022

Em decorrência de um longo processo de exclusão racial e social, o Brasil contempla muitas periferias e favelas, locais onde a violência policial se tornou institucional com um ímpeto de controlar os “favelados”. Nessa realidade, os contornos de segregação racial e social são fortemente demarcados, sendo perceptível uma luta constante entre os moradores dessas regiões para resistir e buscar seus direitos contra ataques do governo e das classes mais ricas. E nesse ímpeto de exclusão esses agentes criam estereótipos sobre as favelas, as quais são caracterizadas como locais de insalubridade, ignorância e, principalmente, de criminosos. É uma visão que acaba legitimando ainda mais a forte repressão policial.


Esse cenário está presente na história do país desde o Brasil Império, se alterando apenas na forma como os governos pretendem lidar com esses locais. A violência sobre tais lugares sempre foi marcante, mas é com o início da Ditadura Militar que se inicia um forte e singular processo de exclusão e repressão. É um período no qual questões socioespaciais seriam o foco principal dos debates sobre as favelas, pois muitas delas se localizavam em regiões propícias para o mercado imobiliário. Desta forma, um processo de remoção forçada, exclusão, separação de classes sociais aconteceu e medidas de controle sobre as favelas foram tomadas. Em diversas partes do país os militares buscaram lidar com essa questão e muitas dessas medidas perduram até hoje.


Um impulso de separação entre as classes ocorria logo no início da Ditadura Militar, sendo que as elites buscavam o fim da favela ou a expulsão das classes mais pobres da cidade. E quando os militares tomaram o poder, com uma centralização política e administrativa, criou-se um movimento bem mais ordenado com maior apoio financeiro e técnico para que esses anseios fossem atendidos (BRUM, 2012, P.359). Dessa forma, ao longo do regime as paisagens das cidades foram profundamente alteradas, sendo que muitas favelas foram removidas ou expulsas para periferias. Consequentemente, as cidades acabam sendo dominadas por moradias das classes mais altas.

Além disso, essa remoção das favelas foi feita com o amparo do estigma de que o favelado seria alguém marginal, ilegal e sem direito a cidade. Dessa forma a remoção se consolida como praticamente a única política de Estado para as favelas. (BRUM, 2012, P.357). Então, essa transferência de uma grande parcela da população das cidades para as periferias acaba gerando um forte impacto social, primeiramente porque as cidades se tornam um marco de exclusão, já que passou a ser um local que apenas as classes médias e altas habitavam, consequentemente não existiria mais o convívio entre diferentes categorias étnicas ou sociais. (BRUM, 2012, P.358)

Todo esse processo acaba afetando muitas famílias, que tiveram sua vida alterada drasticamente e precisaram se adaptar a uma nova realidade. Muitas delas trabalhavam nas cidades e quando expulsas para as margens precisam se locomover quilômetros para os centros das cidades, diminuindo ainda mais sua qualidade de vida. Desse modo, "o favelado, com baixo orçamento, não suporta as despesas extras que o deslocamento para as periferias distantes dos locais de trabalho ocasionava.” (Jornal do Brasil, 1968). Assim sendo, essa mudança causou significativa redução de suas rendas, já que nas cidades mulheres e crianças acabavam conseguindo ajudar a compor a renda e agora fica apenas restrita a um trabalhador, chefe da família, que precisa custear também seu transporte e alimentação. (QUEIRÓS, 2019, P.68)

É importante lembrar que é na realidade de uma Ditadura que esse processo foi permitido, pois, como os canais democráticos estavam fechados, a remoção pôde ser implementada sem resistência. Muitos movimentos sociais que buscavam os direitos dos moradores das favelas estavam sofrendo constantes vigilâncias e ataques. As revoltas e a busca por direitos básicos eram mais motivos para uma repressão violenta (BRUM, 2012, P.368).


Existem exemplos memoráveis de como a Ditadura ajudou a aprofundar as desigualdades urbanas, violando os direitos dos moradores das favelas. Alguns dos exemplos são a expulsão dos moradores de favelas no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O Distrito Federal sofreu esse processo de forma nítida, no qual assim que foi instaurado a Ditadura Militar os moradores que construíram a própria capital foram expulsos de Brasília para cidades periféricas. Essa é uma realidade que mostra como as medidas socioespaciais anteriormente mencionadas afetam toda a estrutura social da cidade.

Em 1971, o governo do Distrito Federal implementou a “Campanha de Erradicação de Invasões”, com o intuito de remover moradores de favelas próximas ao Plano Piloto para cidades mais afastadas. Para construir Brasília, os trabalhadores precisaram construir barracos perto das obras para otimizar seu tempo. Dessa forma, acabam criando a vila do IAPI. E então com o fim da construção, os moradores das classes mais ricas e o próprio governo questionavam a existência desta vila, já que Brasília foi concebida para ser o berço do modernismo e local onde apenas privilegiados deveriam viver. Desse modo, quando os militares chegaram ao poder, se propuseram a dar fim a esse local, institucionalizando um processo de expulsão dos moradores da vila do IAPI para Ceilândia, uma região apenas de terrenos vazios sem condições mínimas para viver. Essa é uma nítida realidade pela busca da limpeza étnica da capital, promovida para garantir que os empreendimentos imobiliários voltados para as elites prosperassem.

Foram mais de 100 mil pessoas expulsas para uma região sem nenhum tipo de estrutura, a 30 km do Plano Piloto. Não somente Ceilândia é criada para isso, outras cidades nas regiões foram iniciadas no ímpeto da remoção de favelas próximas ao Plano Piloto. Trata-se de uma realidade não planejada, onde os moradores devem se adaptar a terrenos inóspitos, sem condições mínimas para viver como água e comida. (SERÚBAL, 2019, P. 571)


Essa violência institucional não se restringiu apenas à expulsão, mas também à fiscalização, pois, com a criação de periferias, os militares se preocupam ainda mais com a segurança desses locais, sendo o toque de recolher ainda mais incisivo e as rondas eram constantes, feitas em busca de marginais. Desse modo, o cotidiano dos habitantes dessas áreas passou a ser marcado ainda pelo aparato repressivo do Estado. Essa repressão se estendia por todos os aspectos do cotidiano da população periférica, perpassando por espaços de lazer, diversão e cultura.


Por fim, é perceptível como a construção da sociedade brasileira é marcada pelo caráter demofóbico¹ de suas elites. Um processo vil e onipresente na história política do país, que, com a ascensão do golpe de 1964, foi ainda mais acentuado. Dentro desse processo, diversas famílias sofreram ao serem expulsas de suas casas, criando uma realidade que ultrapassa gerações. As periferias acabam ficando à margem da sociedade, numa ilustração na qual medidas políticas são poucas ou quase inexistentes. Mas, além disso, as periferias se tornam lugar de resistência, onde os moradores precisam lutar para que suas vozes sejam ouvidas e que o preconceito sobre eles seja quebrado.



Nota:


¹ Denomina-se demofobia todo o método de escamotear ou de rejeitar a ‘palavra’ do povo, decorrente de alegria, apreensão ou desconfiança suscitada por este mesmo povo, que é reputado ‘ignorante’ na medida em que acabaria vítima de suas próprias afeições, sejam elas excessos de paixão ou, ao contrário, completa indiferença. A demofobia é manifestada pelos governos, sempre que, confrontados por meio de contestações e reivindicações populares que os incomodam, eles tentam minimizar aquela ‘palavra’ ou desacreditá-la. Mas ela constitui também o ponto cego comum dos teóricos que fustigam as ‘derivas’ da democracia e desconfiam das eleições e seus resultados, quando lhe recusam toda e qualquer legitimidade (CRÉPON 2012 apud LYNCH 2014: 250).”



Referências


Periferias e Favelas, Memórias da ditadura, 2019. Disponível em: https://memoriasdaditadura.org.br/periferias-e-favelas/. Acesso em: 17 de fevereiro de 2022.

BRUM, Mário. Ditadura civil-militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a cidade (1969-1973). Cadernos Metrópole, v. 14, n. 28, 2012


SETÚBAL, M. L. Distopia e reparação política na Ceilândia de Adirley Queirós. URBANA: Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, Campinas, SP, v. 10, n. 3, p. 570–591, 2019. DOI: 10.20396/urbana.v10i3.8651524. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/urbana/article/view/8651524. Acesso em: 15 fev. 2022.


RIBEIRO, C. E. da S. A representação da Ceilândia e dos ceilandenses no cinema de Adirley Queirós. Século XXI: Revista de Ciências Sociais, [S. l.], v. 9, n. 1, p. 53–92, 2019. DOI: 10.5902/2236672536866. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/seculoxxi/article/view/36866. Acesso em: 16 fev. 2022.


Foto da capa: Arquivo Público do Distrito Federal


Escrito por Nicolle Guimarães, estudante de História

























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